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Livros
"Ida aos documentos evitará cisões"
Ana Carolina Fernandes - 10.fev.2006/Folha Imagem
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João Fragoso, diante do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Rio |
Para João Fragoso, que lança livro sobre elite nos séculos 16 a 18, marxismo fez estragos ao preferir classes e não indivíduos
Historiador carioca estuda relações de compadrio entre senhores e escravos e a divisão da elite entre nobres da terra e negociantes
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O historiador carioca João
Fragoso, 49, causou uma tremenda confusão na academia
quando, no ano passado, em
uma entrevista à Ilustrada,
chamou alguns colegas da USP,
marxistas mais extremos, de
"xiitas", por viverem num último reduto de discussão das
"teorias da dependência".
"Hoje percebo que não deveria ter usado aquele termo.
Muitos pesquisadores, inclusive amigos, se sentiram ofendidos. Eu me referia só a alguns
historiadores mais radicais.
Ainda assim, foi um equívoco."
Fragoso acaba de lançar
"Conquistadores e Negociantes - Histórias das Elites no Antigo Regime nos Trópicos/América Lusa, séculos 16 a 18",
coletânea de artigos dele e de
colegas do grupo de estudos
voltado a este tema na UFRJ
(Universidade Federal do Rio
de Janeiro), onde leciona.
Apesar de reconhecer o exagero da expressão com que designou os paulistas, Fragoso segue firme nas críticas à tendência da "turma de São Paulo" de
ver a história do Brasil a partir
do binarismo metrópole x colônia, ou senhor x escravos.
Assim como seus colegas da
"turma do Rio", Fragoso é
adepto da idéia de que houve
menos um rompimento e mais
uma continuidade no processo
de independência do Brasil.
A dinâmica interna do enriquecimento de comerciantes
brasileiros que operavam o tráfico de escravos, para este grupo, teria sido o motor da cisão.
No artigo "Fidalgos e Parentes de Pretos", Fragoso acompanha trajetórias de personagens atuantes da elite carioca
nos séculos 17 e 18. Distingue,
principalmente, dois grupos: o
da nobreza principal da terra,
que descendia dos primeiros
conquistadores, e o dos comerciantes que começariam a chegar em grande número depois.
Apesar da relação explosiva e
do "clima de teimosia" que imperava entre ambos os grupos,
reforça o historiador, nenhum
deles almejava, naquele momento da história, pelo menos,
romper com a metrópole.
A disputa, pelo contrário, era
mais para que pudessem passar a fazer parte da aristocracia
e, com isso, ter a atenção do rei
português e o acesso às chamadas "mercês", ou seja, terras,
cargos administrativos e outros benefícios.
Desse modo, Fragoso delineia um conceito de Antigo Regime nos trópicos, que teria
surgido de uma fissura do modelo que se configurava na metrópole, mas que funcionava
com os mesmos velhos instrumentos. "Exigir direito por ter
chegado antes, por pertencer a
determinada família, por prestar serviços à coroa e, com isso,
se considerar merecedor de
mercês são códigos do Antigo
Regime europeu, reproduzidos
por esses grupos aqui."
A diferença seria que, numa
sociedade que enriquecia rapidamente, como o Rio de Janeiro do século 18, as chances de
"plebeus" acumularem divisas
era muito grande. Ao mesmo
tempo, crescia a dependência
de nobres pobres pelos novos
comerciantes ricos.
"Entender a mobilidade social dos indivíduos entre esses
grupos é fundamental para
perceber a complexidade da
composição da elite da época."
Para isso, porém, ele considera
necessário deixar um pouco de
lado o conceito de "classe".
"Faço críticas ao marxismo,
com respeito, até porque também me formei dentro dele.
Mas é preciso admitir que ele
fez um imenso estrago ao dizer
que tudo se resolvia na luta de
classes e o mau seria sempre o
senhor de terras. Aí então não
precisa nem ir olhar os documentos. Você já sai com a conclusão fechada. É óbvio que isso impede uma compreensão
do que era aquela sociedade tão
heterogênea e peculiar", diz.
Senhores e escravos
Fragoso costuma ser duramente criticado quando sugere
que havia uma espécie de acordo entre senhores e escravos e
que este teria permitido que a
escravidão durasse tanto tempo no Brasil. Ele defende que
existia uma troca de favores entre ambos, e que o escravo era
cúmplice da própria situação
que determinava seu cativeiro.
"Não havia aqui campos de
concentração ou de extermínio. Os escravos recebiam algo
em troca e barganhavam com
os senhores. É claro que essa
negociação se dava dentro de
um ambiente extremamente
hierárquico. Mas é desinformação achar que os negros chegavam ao Brasil e a escravidão
surgia na vida deles como se
fosse uma novidade."
Fragoso lembra que a desigualdade e a servidão eram
constantes nos países africanos
de onde vinham. "Eles conheciam a escravidão melhor até
que os próprios portugueses!
Agora, os marxistas gostam de
achar que os negros desembarcavam aqui tendo consciência
da exploração, como se tivessem lido o E.P. Thompson [historiador marxista britânico,
1924-1993]. É ridículo."
A documentação sobre batismos de negros, diz Fragoso,
tem ainda muito a dizer sobre
as relações de compadrio entre
senhores e escravos de certas
fazendas com os de outras.
"Havia ainda hierarquia entre
os negros nas senzalas. Era um
sistema complexo que funcionava na base de favores e regalias. Pode-se dizer que o escravo era um cúmplice na manutenção daquela desigualdade"
Menos blablablá
Temas polêmicos assim não
podem deixar de causar cisões
entre os estudiosos. Fragoso
sabe bem quem são seus opositores, mas é otimista quanto ao
rumo dos debates.
"A democratização do país, o
amadurecimento da nossa cultura política por si só vai derrubar essas igrejas, esses ícones
locais, essa coisa de "eu sigo fulano e não beltrano". Isso é coisa do tempo dos coronéis."
Fragoso diz que tem sido
chamado de "empirista" por
pedir mais a atenção dos colegas para as fontes primárias.
"Quando deixarmos um pouco
de lado as discussões teóricas e
nos voltarmos com mais afinco
às fontes primárias, aí sim creio
que vamos superar as diferenças ideológicas e aprofundar o
conhecimento sobre o Brasil."
CONQUISTADORES E NEGOCIANTES
Organizadores: João Fragoso, Carla
Maria Carvalho de Almeida e Antonio
Carlos Jucá de Sampaio
Lançamento: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 55 (462 págs.)
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