São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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"Fenômeno Berlusconi" pode se repetir, diz Eco

Para escritor italiano, ex-premiê é exemplo de como usar a mídia para governar

Autor afirma que seu país já foi "laboratório" em outros casos no século passado; "Dan Brown é uma das minhas criaturas", comenta

DEBORAH SOLOMON
DA "NEW YORK TIMES MAGAZINE"

O filósofo italiano Umberto Eco, autor do recém-lançado "A História da Feiúra" (ed. Record, R$ 127), explica por que os políticos podem um dia governar por meio da mídia, o que a Itália ensinou ao mundo e como ele inventou o autor de best-sellers Dan Brown.

 

PERGUNTA - Embora o sr. seja mais conhecido como o autor de "O Nome da Rosa", também é comentarista político cujos ensaios foram reunidos no livro "Turning Back the Clock", em que lança um aviso sobre os perigos do "populismo midiático". Como definiria esse termo?
UMBERTO ECO -
Populismo midiático significa apelar às pessoas diretamente por meio da mídia. Um político capaz de dominar a mídia pode influir sobre assuntos políticos fora do Parlamento e até eliminar a intermediação do Parlamento.

PERGUNTA - Boa parte do livro é um ataque a Silvio Berlusconi, o ex-premiê da Itália que usou seu império de mídia para promover seus objetivos políticos próprios.
ECO -
Entre 1994 e 1995, e de 2001 a 2006, Berlusconi foi o homem mais rico da Itália, o primeiro-ministro, dono de três canais de televisão e controlador dos três canais pertencentes ao Estado. Ele é um fenômeno que poderia acontecer em outros países, e talvez esteja acontecendo. E o mecanismo será o mesmo.

PERGUNTA - Nos EUA, há a FCC [sigla em inglês para Comissão Federal de Comunicações] e outros órgãos federais para impedir o surgimento do tipo de monopólio que permitiria a um político controlar jornais e emissoras.
ECO -
Nos Estados Unidos ainda existe uma grande separação entre a mídia e o poder político, pelo menos em princípio.

PERGUNTA - Então por que qualquer outro país além da Itália correria o risco de sofrer o domínio da mídia que o sr. descreve?
ECO -
Uma das razões pelas quais os estrangeiros se interessam tanto pelo caso italiano é que, no século passado, a Itália foi um laboratório. Isso começou com os futuristas. Seu manifesto saiu em 1909. Depois foi o fascismo -foi testado no laboratório italiano e depois migrou para a Espanha, os Bálcãs e a Alemanha.

PERGUNTA - O sr. está dizendo que a Alemanha tirou a idéia do fascismo da Itália?
ECO -
Com certeza. De acordo com o que dizem os historiadores, foi isso o que aconteceu.

PERGUNTA - Talvez apenas os historiadores italianos digam isso.
ECO -
Se você não gosta da história, não a relate. Para mim, não faz diferença.

PERGUNTA - O sr. quer dizer que a Itália criou tendências na moda (ou arte) e no fascismo?
ECO -
Sim, OK. Por que não?

PERGUNTA - O que o sr. acha do sucessor de Berlusconi, Romano Prodi, que foi eleito em 2006 e deslocou o governo para a esquerda?
ECO -
Ele é um amigo. Gosto dele, mas acho que foi dominado pelas disputas internas dentro de sua própria maioria, após a eleição. Berlusconi tem a vantagem de ser um grande ator. Prodi não é um ator, o que não é crime, mas é um ponto fraco.

PERGUNTA - Prodi é intelectual, em oposição ao homem de negócios?
ECO -
Sim, ele foi professor de economia. No início dos anos 90, Prodi era professor em um de meus programas. De repente, partiu para a política.

PERGUNTA - O sr. se refere ao departamento de comunicações da Universidade de Bolonha, onde é professor de semiótica?
ECO -
Eu me aposentei neste mês. Estou com 75 anos.

PERGUNTA - Alguma vez o sr. teve vontade de entrar para a política?
ECO -
Não, porque acho que cada um tem que fazer seu próprio trabalho.

PERGUNTA - O sr. se vê principalmente como romancista?
ECO -
Sinto que sou um acadêmico que escreve romances apenas com a mão esquerda.

PERGUNTA - Me pergunto se o sr. terá lido "O Código Da Vinci", de Dan Brown, que alguns vêem como a versão pop de "O Nome da Rosa".
ECO -
Fui obrigado a ler o livro porque todo mundo estava me perguntando sobre ele. Minha resposta é que Dan Brown é um dos personagens de meu romance "O Pêndulo de Foucault", que fala de pessoas que começam a acreditar em coisas ligadas ao ocultismo.

PERGUNTA - Mas o sr. mesmo parece interessar-se pela cabala, a alquimia e outras práticas ocultas tratadas no livro.
ECO -
Não, em "O Pêndulo de Foucault" escrevi a representação grotesca desse tipo de pessoa. Assim, Dan Brown é uma de minhas criaturas.

PERGUNTA - Faz diferença para o sr. se as pessoas estarão lendo seus romances daqui a cem anos, ou não?
ECO -
Se alguém escreve um livro e não se preocupa com a sobrevivência desse livro, é um imbecil.


Tradução de CLARA ALLAIN

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