São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica

Cuidados com o estilo definem produção de jovens da "Granta"

Edição com contos americanos traz revelações como Freidenberg, Ali e Englander

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

A revista "Granta" firmou-se como descobridora de novos talentos na seara da literatura britânica e norte-americana. Sua escolha dos melhores jovens ficcionistas dos dois lados do Atlântico (a última seleção, americana, acaba de sair pela Alfaguara) sempre recebe a atenção da crítica. O mesmo ocorre com quase qualquer obra que ela lança.
É o caso de "The New Granta Book of the American Short Story" (o novo livro da Granta de contos americanos), cuja primeira edição, de 1992, reuniu autores como John Cheever e Raymond Carver.
No volume recém-publicado, o editor Richard Ford juntou ao velho time estreantes como Nell Freidenberg, Z.Z. Packer e Nathan Englander.
O conto deste último - "Os Acrobatas" - está contido em "Para Alívio dos Impulsos Insuportáveis", que o autor lançou com apenas 28 anos.

Temática judaica
O livro de Englander versa sobre o universo singular dos judeus ortodoxos, em histórias que se desenrolam em diversos lugares e épocas.
No geral, o conjunto incorre em mais êxito do que desdouro (uma exceção é a história que dá nome ao volume, a qual, a despeito do bom título e do ponto de partida, mostra-se frouxa e moralista).
"Os Acrobatas" trata da sorte inusitada de alguns judeus poloneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Uma controvérsia divide o gueto da pequena cidade de Chelm. Diz respeito ao édito que os obriga a carregar consigo, em uma viagem, apenas "artigos essenciais".
No que consistiriam esses itens? Uma facção rabínica, mais liberal, diz que essencial refere-se a tudo de que alguém precisaria para "estocar uma casa de veraneio".
O partido mais rígido -e menos popular- dita que indispensável mesmo seria apenas a roupa de baixo. Nada afora isso seria permitido, nem mesmo os atavios religiosos.
Trajando incongruentes ceroulas de pernas e mangas longas, eles embarcam no trem. É seu trunfo, pois, confundidos com acrobatas de um circo, têm a chance de se salvar. O parágrafo final dessa fábula bem narrada, que não descuida do humor mesmo em face do horror, é exemplar.
O zelo com o estilo e o tom de moralidade também se percebem na primeira história do livro, "O Vigésimo Sétimo Homem", que narra a história de um grupo de escritores judeus soviéticos condenados ao cadafalso por Stalin. Como nas narrativas de Kafka, não se sabe bem do que os acusam e, salvo pelo fato de todos escreverem em iídiche, há pouca semelhança entre eles.
A impotência do homem diante do destino inescrutável e opressor é a tônica não só desse conto, mas da coletânea como um todo.

Dores do dia-a-dia
Opressão de outra monta corrói o cotidiano dos personagens de "Azul Alentejo", de Monica Ali, jovem romancista britânica que figurou na seleção da Granta de 2003.
Monica desloca o foco dos bangladeshianos de "Um Lugar Chamado Brick Lane" para um punhado de personagens de uma aldeia fictícia do Alentejo.
Em comum ao dia-a-dia de camponeses e comerciantes portugueses e de expatriados e turistas ingleses, que percorrem o cenário alentejano, a um tempo bucólico e desolado, está o peso de algo sinistro e inominável que lhes cola à alma.
Cada um lida com sua dor a seu modo, embora Monica nunca mostre ao leitor o que verdadeiramente assombra esses personagens.
Cada história é narrada sob o ponto de vista de um deles e todas se cruzam de modo sutil, apesar de não haver um elo romanesco mais rigoroso a uni-las. Exceto o Alentejo, é claro -e o sentimento de desolação.
Como Englander, a autora revela cuidado com a escrita.
Pena que não evite certos lugares-comuns. Ainda que bela, sua visão do Alentejo e de seus moradores soa artificial.
Ela se sai melhor quando contempla seus compatriotas britânicos. Sua descrição de um grupo deles tentando arrastar o cadáver de uma vaca é simples, terrível e eficiente.
De prosa assim também se faz o melhor da nova geração.


PARA ALÍVIO DOS IMPULSOS INSUPORTÁVEIS
Autor:
Nathan Englander
Tradução: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 36 (224 págs.)
Avaliação: ótimo

AZUL ALENTEJO
Autor:
Monica Ali
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Quanto: R$ 37,50 (264 págs.)
Avaliação: regular


Texto Anterior: Brasileiros destacam influência
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.