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Crítica
Cuidados com o estilo definem produção de jovens da "Granta"
Edição com contos americanos traz revelações como Freidenberg, Ali e Englander
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
A revista "Granta" firmou-se como descobridora de novos talentos
na seara da literatura britânica
e norte-americana. Sua escolha
dos melhores jovens ficcionistas dos dois lados do Atlântico
(a última seleção, americana,
acaba de sair pela Alfaguara)
sempre recebe a atenção da crítica. O mesmo ocorre com quase qualquer obra que ela lança.
É o caso de "The New Granta
Book of the American Short
Story" (o novo livro da Granta
de contos americanos), cuja
primeira edição, de 1992, reuniu autores como John Cheever e Raymond Carver.
No volume recém-publicado,
o editor Richard Ford juntou ao
velho time estreantes como
Nell Freidenberg, Z.Z. Packer e
Nathan Englander.
O conto deste último - "Os
Acrobatas" - está contido em
"Para Alívio dos Impulsos Insuportáveis", que o autor lançou com apenas 28 anos.
Temática judaica
O livro de Englander versa
sobre o universo singular dos
judeus ortodoxos, em histórias
que se desenrolam em diversos
lugares e épocas.
No geral, o conjunto incorre
em mais êxito do que desdouro
(uma exceção é a história que
dá nome ao volume, a qual, a
despeito do bom título e do
ponto de partida, mostra-se
frouxa e moralista).
"Os Acrobatas" trata da sorte
inusitada de alguns judeus poloneses, durante a Segunda
Guerra Mundial. Uma controvérsia divide o gueto da pequena cidade de Chelm. Diz respeito ao édito que os obriga a carregar consigo, em uma viagem,
apenas "artigos essenciais".
No que consistiriam esses
itens? Uma facção rabínica,
mais liberal, diz que essencial
refere-se a tudo de que alguém
precisaria para "estocar uma
casa de veraneio".
O partido mais rígido -e menos popular- dita que indispensável mesmo seria apenas a
roupa de baixo. Nada afora isso
seria permitido, nem mesmo os
atavios religiosos.
Trajando incongruentes ceroulas de pernas e mangas longas, eles embarcam no trem. É
seu trunfo, pois, confundidos
com acrobatas de um circo, têm
a chance de se salvar.
O parágrafo final dessa fábula bem narrada, que não descuida do humor mesmo em face do
horror, é exemplar.
O zelo com o estilo e o tom de
moralidade também se percebem na primeira história do livro, "O Vigésimo Sétimo Homem", que narra a história de
um grupo de escritores judeus
soviéticos condenados ao cadafalso por Stalin.
Como nas narrativas de Kafka, não se sabe bem do que os
acusam e, salvo pelo fato de todos escreverem em iídiche, há
pouca semelhança entre eles.
A impotência do homem
diante do destino inescrutável
e opressor é a tônica não só desse conto, mas da coletânea como um todo.
Dores do dia-a-dia
Opressão de outra monta
corrói o cotidiano dos personagens de "Azul Alentejo", de Monica Ali, jovem romancista britânica que figurou na seleção
da Granta de 2003.
Monica desloca o foco dos
bangladeshianos de "Um Lugar
Chamado Brick Lane" para um
punhado de personagens de
uma aldeia fictícia do Alentejo.
Em comum ao dia-a-dia de
camponeses e comerciantes
portugueses e de expatriados e
turistas ingleses, que percorrem o cenário alentejano, a um
tempo bucólico e desolado, está
o peso de algo sinistro e inominável que lhes cola à alma.
Cada um lida com sua dor a
seu modo, embora Monica
nunca mostre ao leitor o que
verdadeiramente assombra esses personagens.
Cada história é narrada sob o
ponto de vista de um deles e todas se cruzam de modo sutil,
apesar de não haver um elo romanesco mais rigoroso a uni-las. Exceto o Alentejo, é claro
-e o sentimento de desolação.
Como Englander, a autora
revela cuidado com a escrita.
Pena que não evite certos lugares-comuns. Ainda que bela,
sua visão do Alentejo e de seus
moradores soa artificial.
Ela se sai melhor quando
contempla seus compatriotas
britânicos. Sua descrição de um
grupo deles tentando arrastar o
cadáver de uma vaca é simples,
terrível e eficiente.
De prosa assim também se
faz o melhor da nova geração.
PARA ALÍVIO DOS IMPULSOS INSUPORTÁVEIS
Autor: Nathan Englander
Tradução: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 36 (224 págs.)
Avaliação: ótimo
AZUL ALENTEJO
Autor: Monica Ali
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Quanto: R$ 37,50 (264 págs.)
Avaliação: regular
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