São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA

Gravações na região ultrapassam R$ 1 mi e deslocam maior números de profissionais da Globo

Atores sofrem na fronteira México-Texas

Renato Rocha Miranda/TV Globo
Da esquerda para a direita, os atores Silvio Guindane, Deborah Secco, Bete Mendes e Fernanda Paes Leme em cena da travessia na fronteira México-Texas, na novela "América"


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LAJITAS (TEXAS)

No cinema americano, a inóspita fronteira México-Texas é o cenário ideal para um bom filme de faroeste: há o deserto infinito, as cidades-fantasmas, o rio Grande, os arbustos rolando, as montanhas alaranjadas, o vento e o pó.
Desta vez, no entanto, o único caubói à vista no set de filmagem local, Chris, estava encarregado de arrumar os cavalos, as galinhas e os porcos para a gravação das cenas. A história a ser contada aqui é sobre imigrantes brasileiros ilegais, chama-se "América" e é a próxima novela das oito da Rede Globo, com estréia prevista para o dia 14 de março.
Na última semana, a reportagem da Folha acompanhou durante dois dias as gravações da novela, que mobilizou o maior elenco já enviado pela emissora ao exterior.
Ao todo, cerca de cem pessoas circulavam diariamente pelo set "Contrabando", uma pequena vila montada à beira do lendário rio Grande (na verdade, um riacho), que divide o deserto texano do mexicano.
"Gravar aqui é um sonho", diz o diretor Jayme Monjardim, 48, ao chegarmos por volta das 8h da manhã ao set, que reproduz uma cidade mexicana de fronteira. Além de belíssimo, o local é também apropriado ao tema. Nos últimos cinco anos, o crescimento de brasileiros detidos nas fronteira México-EUA foi de 1.665%, passando de menos de 500, em 1989, para mais de 8.600 pessoas em 2004. O posto local da Patrulha da Fronteira confirmou que "alguns brasileiros" têm sido capturados naquela região.
O tema da imigração brazuca está no centro da trama. Escrita por Glória Perez, a superprodução terá como protagonista Sol (Deborah Secco), jovem pobre que sonha "fazer a América". Ela tenta chegar algumas vezes aos EUA, após ter o visto negado.
Após ser deportada na primeira tentativa, Sol procura Alex (Thiago Lacerda), um trambiqueiro radicado no lado mexicano da fronteira e ajudado por Ramiro (Luis Melo). De novo, ela é presa e mandada de volta ao Brasil.
A travessia pelo rio Grande promete momentos bastante dramáticos. Num deles, a imigrante Fátima, interpretada por Bete Mendes, é picada por uma cobra. Sem poder seguir adiante, ela é morta a tiros pelos atravessadores.
(Na verdade, a principal causa de morte na fronteira tem sido a desidratação, problema que atingiu três membros da equipe, entre eles Thiago Lacerda.)
Completam o núcleo de personagens da fronteira as irmãs mexicanas Rosário (Fernanda Paes Leme) e Inesita (Juliana Knust) e Silvio Guindane, o único ator negro do grupo e também o único com o personagem sem nome.
Como é típico das histórias de Glória Perez, a novela abordará outros temas. Haverá o mundo dos rodeios, habitado pelo par romântico de Sol, Tião (Murilo Benício), o espiritismo e a cegueira, que será tratado de forma educativa, semelhante às drogas na novela "O Clone", também da dupla Perez/Monjardim.
Os personagens cegos, Jatobá e Maria Flor, serão interpretados por Marcos Frota e pela atriz mirim Bruna Marquezine.
As locações também variam bastante. Além do Texas, a novela já teve cenas rodadas em Barretos (SP) e no Pantanal.
Depois do deserto, a equipe grava na Flórida, para onde Sol vai, após finalmente cruzar a fronteira na terceira tentativa, escondida dentro de um caminhão.
Em Miami, onde participam das gravações Christiane Torloni, Edson Celulari e Cléo Pires, entre outros, Sol vai continuar sofrendo: depois de passar fome e sede, ela trabalha como empregada doméstica e baby-sitter até arranjar um emprego de dançarina num bar de Miami Beach.
O alto custo das gravações no Texas, orçado em US$ 420 mil (R$ 1,092 milhão para dez dias de gravação) fez com que o trabalho das filmagens fosse feito em ritmo intenso. O valor inclui o aluguel de um helicóptero para imagens áreas da região.
No resort Lajitas, onde a equipe da Globo estava hospedada, eram ainda 6h30 da manhã quando os atores iam a um centro de apoio se preparar para as filmagens, que começavam e terminavam com o Sol, das 8h30 às 17h. Havia apenas o intervalo para o almoço.
Nos dias em que a Folha acompanhou as gravações, o trabalho estava sendo feito no set "Contrabando", já existente no local e que consiste num conjunto de casas e igreja. A Globo recriou ali o hotel Lopez, o restaurante La Frontera, uma sapataria e algumas barracas. Dava vida ao lugarejo de cerca de 50 figurantes mexicanos contratados na região.
"A cidade ficou bem parecida", disse a dona-de-casa mexicano-texana Marta Barrera, 30, uma das figurantes. "A única coisa errada é o meu "sombrero". Mulher não usa isso aqui", disse, segurando o chapéu emprestado por um tio. Pelo trabalho, ela ganha US$ 80 (R$ 213) por dia.
O set foi construído para as gravações de "Streets of Laredo" (95), uma minissérie de faroeste cujo elenco incluía James Garner, Sissy Spacek e Sonia Braga, no papel de uma dona-de-casa mexicana.
Um mês antes, quem ocupava o set era a equipe hollywoodiana de "The Three Burials of Melquiades Estrada" (Os Três Enterros de Melquiades Estrada), dirigido e estrelado por Tommy Lee Jones e com estréia prevista para este ano. Outros filmes rodados na região incluem "Pequenos Espiões 2", "Dead Man's Walk" e vários faroestes menores.
"Os brasileiros são muito mais calorosos entre si", disse o técnico de iluminação Aaron Vyvial, 28, que trabalhou para Jones e em outros filmes, como "A Vida de David Gale".
"Mas, tecnicamente, eles não prestam muita atenção à iluminação. O ritmo de gravação é muito mais rápido do que em Hollywood. Aqui, eles fazem sete, oito cenas por dia; nos filmes, é geralmente uma cena", disse.
O ritmo é de fato bastante intenso. Para não perder tempo, Monjardim separou as cenas para todos as situações: céu nublado, chuva, sol. Os cenários e os figurantes são rapidamente preparados enquanto os atores decoram o texto em poucos minutos.
Uma cena em que Sol é puxada no braço por coiotes rua baixo leva cerca de uma hora e cinco repetições para ficar pronta.
Metade desse tempo levou a gravação, dentro do restaurante, de um diálogo tenso entre os personagens de Lacerda e Luís Melo ("reaja com mais surpresa", pediu Monjardim ao galã).

Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: 11/9 dividiu dois únicos povoados da região
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.