RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA FOLHA

O show não é exatamente um show, mas uma apresentação em um bistrô. O programa não é exatamente uma obra-prima, mas existem coisas piores para se ver na TV numa segunda à tarde.
André Mehmari no piano, Ná Ozzetti na voz, interpretando ao vivo as músicas de seu elogiado álbum lançado em meados do ano passado, "Piano e Voz". Entre as músicas, breves entrevistas contando a criação do projeto. A idéia é boa porque o disco traz uma riqueza intimista que garante o interesse de ver os músicos ao vivo. Pena que, na prática, o vídeo seja tão mal acabado: a edição sem capricho, os enquadramentos sem imaginação e as imagens de pessoas conversando ou circulando no público insistem em testar a concentração do espectador.
Independente disso, o equilíbrio entre virtuosismo e sensibilidade dos músicos é impressionante. Indo de Ernesto Nazareth a Tom Jobim, de Beatles (com citação de Beethoven) a Nelson Cavaquinho, os dois encontram uma linguagem entre o erudito e o popular que é boa ver e de ouvir.
É um achado o encontro da voz cristalina de Ozzetti com o piano de sotaque chorado de Mehmari, ambos com abusada perfeição técnica. Todo o projeto -do disco às apresentações ao vivo- tem cara de começo de capítulo, eles inclusive já comentando a possibilidade do segundo volume. Aqui, durante 45 minutos, músicas de Pixinguinha, Chico Buarque, Caetano Veloso e Lupicínio Rodrigues em tom quase sacro e depoimentos como "a gente se alimenta de coisas que são externas à música e são importantíssimas para se criar música -é lógico que o estudo e o aprimoramento técnico contribuem, mas acho que eu coloco a minha visão da vida na música que faço", este dado por Mehmari.
É exatamente como ver um show excelente, mas sentado na pior cadeira do lugar.