São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2007

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Eruditos na rede

Aumenta oferta e consumo de música clássica na internet; intérpretes e compositores recorrem a vídeos do YouTube e ao download de obras e partituras para ter acesso a registros raros

Leonardo Wen/Folha Imagem
O maestro Ricardo Bernardes encontrou no site da Biblioteca Nacional de Lisboa o original de obra que iria reger em SP


IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em vez de fuçar a modelo Daniela Cicarelli namorando na praia, eles preferem ver o pianista Nelson Freire interpretando o primeiro concerto para piano e orquestra de Brahms.
Intérpretes e compositores de música erudita no Brasil vêm usando o site de buscas de vídeos YouTube e outros recursos da internet, como o down- load de músicas e partituras, para dinamizar seu trabalho.
Relatório divulgado neste mês pela IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) mostra que as gravadoras estão se convertendo em companhias digitais, tendo faturado US$ 2 bilhões (cerca de R$ 4,3 bilhões) em 2006 com a música on-line ou via celulares -o dobro de 2005.
Entre as causas para o crescimento, foi verificado o aumento no interesse por música clássica nos EUA, além da duplicação da quantidade de músicas disponíveis na net, chegando a quatro milhões de faixas.
Uma oferta que conquistou o maestro Roberto Minczuk, que dirige a Orquestra Sinfônica Brasileira, o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão e a Filarmônica de Calgary (Canadá). "Tenho acessado o site do iTunes. Ao contrário do que pensava, a oferta de gravações é generosa, abrangendo um número imenso de compositores e períodos."
Minczuk virou freguês do YouTube, que usa para travar conhecimento com artistas que não tenham gravação em DVD. O site tem sido visitado também pelo maestro Ira Levin, da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional (Brasília); pelo pianista Eduardo Monteiro, professor da USP; e pelo violonista clássico Fabio Zanon, que se surpreendeu ao encontrar trechos de performances suas.
"Fico meio bravo ao ver que vídeos meus foram colocados no ar sem permissão. Por outro lado, isso pode se traduzir em convites para tocar em outros países. Para o artista clássico, a pirataria pode ser positiva", diz.
Quem também encontrou vídeos de sua orquestra, a Bachiana, no YouTube foi o maestro João Carlos Martins, para quem a rede é ferramenta de pesquisa. "Uso a internet para ouvir trechos de gravações que não fazem parte do repertório tradicional e tomar decisões sobre meus concertos. Sei que o meu arquivista baixa partituras pela internet. Não tenho esse hábito. Compro de sites americanos e europeus e recebo a partitura pelo correio", conta.

"Salva-vidas"
Download de partitura já "salvou" o maestro Ricardo Bernardes, doutorando em musicologia na Universidade do Texas (EUA), quando regeu em São Paulo, em junho de 2006, o "Réquiem à Memória de Camões", de João Domingos Bomtempo (1775-1842). A partitura de orquestra chegou em tempo, mas não veio a redução do "Réquiem" para canto e piano, essencial para a preparação de solistas e coro. A solução foi entrar no site da Biblioteca Nacional de Lisboa: "Tive acesso à edição original da obra, de 1819, que foi usada nos ensaios", diz.
Como um fecho de ouro para as comemorações dos 250 anos do nascimento de Mozart (1756-1791), partituras das obras completas do compositor foram disponibilizadas em 2006.
Pensando no acervo brasileiro, a cravista Rosana Lanzelotte coordena, na UniRio, o projeto "Biblioteca Digital de Música Brasileira", que visa festejar, em 2008, os 200 anos da chegada da corte portuguesa de d. João ao Brasil, colocando no ar partituras de compositores em atividade no país naquele período, como José Maurício Nunes Garcia, Marcos Portugal e Sigismund Neukomm.
"Diferentemente de sites que disponibilizam só imagens das partituras, no nosso as obras estarão em formato para execução, isto é, com partes separadas para os músicos", diz.
Há até situações em que a informação da rede chega a quem não a usa para downloads. Caso do compositor Mário Ficarelli, presenteado com achados de amigos e filhos. "Acabei de ganhar uma gravação de músicas da Ásia Central com instrumentos originais, de 1925 a 1948. Uma preciosidade", festeja. "É claro que algo assim eu nunca encontraria no mercado -nem no internacional."


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