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Brevíssima história das revoluções no Brasil
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Revolução é a palavra mais
prostituída do vocabulário
brasileiro. Tem largo emprego
episódico e é quase sempre
usada ao contrário. Aquilo
que se poderia chamar de revolução é considerada uma revolta, uma sedição, uma inconfidência, um golpe ou uma
campanha movida pela fracassomania. E os movimentos
reacionários são tidos como
revoluções.
Contra a vacina se fez revolução no país. Pior do que a da
vacina houve outra. Em 1924,
aproveitando o clima do movimento liderado por Isidoro (as
revoluções ganham nomes estranhos: do Isidoro, do Custódio, do fulano, do sicrano), um
major, na cidade de Laranjeiras (SP), revoltou-se contra a
execução, nos Estados Unidos,
dos italianos Sacco e Vanzetti.
O major Filigônio de Carvalho
prendeu as autoridades locais
e obrigou o vigário a celebrar
missa por alma dos italianos
sacrificados.
O marechal Deodoro gerou
complicado anedotário a respeito de sua participação no
movimento da proclamação
da República. Fiel ao imperador, foi empurrado para o
quartel-general, a fim de depor o gabinete chefiado por
Ouro Preto. Encontrou os portões fechados e, de péssimo humor, berrou: "Abram isso!
Abram isso!".
Pode-se fazer o perfil das revoluções pelos seus horários. A
de 22 começou depois do tempo; a de 32, antes do tempo.
Em 1932, o general Bertoldo
Klinger abandonou seu comando em Mato Grosso e precipitou os acontecimentos,
uma vez que os paulistas ainda não estavam preparados
para a campanha. Em 1922,
Epitácio Pessoa soube que o
primeiro tiro do Forte de Copacabana seria disparado à 1h.
Esperou de relógio na mão
-aqueles respeitáveis cebolas
de então. O tiro só veio 20 minutos depois. Epitácio guardou
o cebola no colete e disse para
um amigo: "É. Estão atrasados!".
Na Juazeiro do Padre Cícero
Romão Batista também houve
revolução. O boticário Nogueira Lima avisara: "Esse padre
começou missionário, será revolucionário e terminará milionário".
Em 1935, a capital do Rio
Grande do Norte teve um governo comunista. Durou pouco, mas fizeram muita coisa.
De tanto ouvirem falar que era
necessário nacionalizar as empresas, os marxistas potiguares
pensaram que nacionalizar
era tornar grátis as passagens
de bondes da cidade. E todo
mundo passou três dias andando de bonde, até se fartar.
Nas revoluções brasileiras há
poucos tiros e muitas fotografias. Os soldados tinham óculos redondos e perneiras lustrosas, estufavam o peito
quando o fotógrafo mandava
olhar o passarinho. A tática da
revolução de 32 foi a da "locomotiva". Entupiam-se os túneis com uma locomotiva descarrilada e as tropas bivacavam de ambos os lados, até que
chegasse o armistício, geralmente prevendo a anistia e o
pagamento dos atrasados.
Apesar de tudo, houve tiros.
Na revolta de 22, o tenente
Eduardo Gomes passou a noite
consertando um canhão que
não queria se deslocar. Siqueira Campos ficou segurando a
lamparina. Encravado, o canhão continuava apontando
para Copacabana. Foi então
que Siqueira Campos aproveitou para ameaçar o governo
com o bombardeio da cidade.
Em 1924, o mesmo Eduardo
Gomes esteve às voltas com outro canhão, numa bateria que
tinha, além de sua participação, a presença dos tenentes
Filinto Strubling Myuller,
Henrique Ricardo Hall e Orlando Leite Ribeiro. O canhão
devia atirar um petardo no palácio dos Campos Elíseos, onde
o presidente do Estado, Carlos
de Campos, passeava tranquilamente. Quiseram tirar Carlos de Campos dali, mas ele se
obstinou: "Não. Aqui é mais
seguro".
Quando o canhão conseguiu
atirar, destruiu algumas casas
e matou alguns civis. Mas
Eduardo Gomes era idealista.
Impossibilitado de arrasar o
Campos Elíseos, decidiu vir para o Rio e arrasar o Catete, jogando uma bomba em cima de
Artur Bernardes. O aparelho
estava enguiçado, mas Eduardo Gomes o recuperou. Tomou
seu lugar e fez o avião avançar.
O aparelho percorreu a extensão da pista e, sem sair do solo,
atolou num lamaçal vizinho.
Pode-se concluir que o tenente Eduardo Gomes era ruim em
consertar coisas. Quando Carlos Lacerda teve o rosto arrebentado pelos capangas do general Mendes de Morais,
Eduardo Gomes, já brigadeiro,
foi visitar a vítima. Fez-se o silêncio que a sua heróica presença impunha. Todos esperavam uma frase para a história.
A frase que ele disse foi: "Botem carne crua em cima!".
Os tiros nunca acertavam o
alvo. Na revolta da esquadra, o
couraçado Minas Gerais tentou atingir a sede do governo
que era no Itamaraty: arrebentou foi a torre da Candelária.
No movimento paulista surgiu
o MMM, um morteiro que levava o nome de seu inventor,
major Marcelino. Pois, no tiro
de estréia do "Morteiro Major
Marcelino", morreram, além
do próprio inventor, um general e diversos oficiais que estavam perto.
Assim, o único tiro que parece ter atingido o alvo foi o de
24 de agosto, quando Getúlio
Vargas encostou o revólver no
próprio peito e disparou.
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