São Paulo, sexta, 30 de janeiro de 1998

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Brevíssima história das revoluções no Brasil

CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial

Revolução é a palavra mais prostituída do vocabulário brasileiro. Tem largo emprego episódico e é quase sempre usada ao contrário. Aquilo que se poderia chamar de revolução é considerada uma revolta, uma sedição, uma inconfidência, um golpe ou uma campanha movida pela fracassomania. E os movimentos reacionários são tidos como revoluções.
Contra a vacina se fez revolução no país. Pior do que a da vacina houve outra. Em 1924, aproveitando o clima do movimento liderado por Isidoro (as revoluções ganham nomes estranhos: do Isidoro, do Custódio, do fulano, do sicrano), um major, na cidade de Laranjeiras (SP), revoltou-se contra a execução, nos Estados Unidos, dos italianos Sacco e Vanzetti. O major Filigônio de Carvalho prendeu as autoridades locais e obrigou o vigário a celebrar missa por alma dos italianos sacrificados.
O marechal Deodoro gerou complicado anedotário a respeito de sua participação no movimento da proclamação da República. Fiel ao imperador, foi empurrado para o quartel-general, a fim de depor o gabinete chefiado por Ouro Preto. Encontrou os portões fechados e, de péssimo humor, berrou: "Abram isso! Abram isso!".
Pode-se fazer o perfil das revoluções pelos seus horários. A de 22 começou depois do tempo; a de 32, antes do tempo. Em 1932, o general Bertoldo Klinger abandonou seu comando em Mato Grosso e precipitou os acontecimentos, uma vez que os paulistas ainda não estavam preparados para a campanha. Em 1922, Epitácio Pessoa soube que o primeiro tiro do Forte de Copacabana seria disparado à 1h. Esperou de relógio na mão -aqueles respeitáveis cebolas de então. O tiro só veio 20 minutos depois. Epitácio guardou o cebola no colete e disse para um amigo: "É. Estão atrasados!".
Na Juazeiro do Padre Cícero Romão Batista também houve revolução. O boticário Nogueira Lima avisara: "Esse padre começou missionário, será revolucionário e terminará milionário".
Em 1935, a capital do Rio Grande do Norte teve um governo comunista. Durou pouco, mas fizeram muita coisa. De tanto ouvirem falar que era necessário nacionalizar as empresas, os marxistas potiguares pensaram que nacionalizar era tornar grátis as passagens de bondes da cidade. E todo mundo passou três dias andando de bonde, até se fartar.
Nas revoluções brasileiras há poucos tiros e muitas fotografias. Os soldados tinham óculos redondos e perneiras lustrosas, estufavam o peito quando o fotógrafo mandava olhar o passarinho. A tática da revolução de 32 foi a da "locomotiva". Entupiam-se os túneis com uma locomotiva descarrilada e as tropas bivacavam de ambos os lados, até que chegasse o armistício, geralmente prevendo a anistia e o pagamento dos atrasados.
Apesar de tudo, houve tiros. Na revolta de 22, o tenente Eduardo Gomes passou a noite consertando um canhão que não queria se deslocar. Siqueira Campos ficou segurando a lamparina. Encravado, o canhão continuava apontando para Copacabana. Foi então que Siqueira Campos aproveitou para ameaçar o governo com o bombardeio da cidade.
Em 1924, o mesmo Eduardo Gomes esteve às voltas com outro canhão, numa bateria que tinha, além de sua participação, a presença dos tenentes Filinto Strubling Myuller, Henrique Ricardo Hall e Orlando Leite Ribeiro. O canhão devia atirar um petardo no palácio dos Campos Elíseos, onde o presidente do Estado, Carlos de Campos, passeava tranquilamente. Quiseram tirar Carlos de Campos dali, mas ele se obstinou: "Não. Aqui é mais seguro".
Quando o canhão conseguiu atirar, destruiu algumas casas e matou alguns civis. Mas Eduardo Gomes era idealista. Impossibilitado de arrasar o Campos Elíseos, decidiu vir para o Rio e arrasar o Catete, jogando uma bomba em cima de Artur Bernardes. O aparelho estava enguiçado, mas Eduardo Gomes o recuperou. Tomou seu lugar e fez o avião avançar. O aparelho percorreu a extensão da pista e, sem sair do solo, atolou num lamaçal vizinho.
Pode-se concluir que o tenente Eduardo Gomes era ruim em consertar coisas. Quando Carlos Lacerda teve o rosto arrebentado pelos capangas do general Mendes de Morais, Eduardo Gomes, já brigadeiro, foi visitar a vítima. Fez-se o silêncio que a sua heróica presença impunha. Todos esperavam uma frase para a história. A frase que ele disse foi: "Botem carne crua em cima!".
Os tiros nunca acertavam o alvo. Na revolta da esquadra, o couraçado Minas Gerais tentou atingir a sede do governo que era no Itamaraty: arrebentou foi a torre da Candelária. No movimento paulista surgiu o MMM, um morteiro que levava o nome de seu inventor, major Marcelino. Pois, no tiro de estréia do "Morteiro Major Marcelino", morreram, além do próprio inventor, um general e diversos oficiais que estavam perto.
Assim, o único tiro que parece ter atingido o alvo foi o de 24 de agosto, quando Getúlio Vargas encostou o revólver no próprio peito e disparou.



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