|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A história da música brasileira contada pelas capas
Referências sexuais e afronta às determinações do regime militar dominam a arte das capas vencedoras da enquete, como "Todos os Olhos", de Tom Zé, e "Índia", de Gal Costa, ambas lançadas em 1973
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o exame da evolução da história das capas de discos pode por
si ajudar a compreender a história
do próprio país, a enquete da Folha aponta para um culto de preferência pelo Brasil tropicalista e,
especialmente, para as ousadias
de natureza sexual e política cometidas por artistas da música no
início dos anos 70.
Tom Zé, segundo lugar na pesquisa com "Todos os Olhos" (73),
escondeu por quase 20 anos a informação de que era na verdade
uma bolinha de gude acoplada a
um ânus o olho que enfeitava a
capa do LP que, segundo ele, o remeteu ao ostracismo, até que o
gringo David Byrne o resgatasse.
"Amigos se divertiam: "Vi o cu
na vitrine em plena praça da República!'", ri Tom Zé. "Aparecia
gente desconfiada às vezes, mas
refutávamos com veemência."
A verdade só veio à tona assumidamente quando Byrne mencionou a história em texto do encarte da coletânea do artista que
produziu no início dos 90.
A atitude política estava por
trás: "Havia a discussão entre nós
de que o Brasil estava um cu, de
que aquilo era a cara do Brasil".
Mas... de quem era o "olho"?
"Não cheguei a conhecer pessoalmente a moça. Hoje incentivo a
criatura que posou, mesmo que
tenha netos, a se apresentar. A
exibição comercial do cu, que poderia ser moralmente duvidosa,
hoje é até patriótica", graceja.
Gal Costa, gravando novo disco,
não falou à Folha sobre "Índia",
mas seus fãs não economizam recordações: "Eu tinha 10 anos e só
fui conhecer a capa muitos anos
depois, porque o meu pai a havia
queimado", dá o clima o diretor
teatral Ivam Cabral.
O jornalista Alvaro Machado
viu o show e distende a memória
sobre a subversão cometida então
pela baiana: "O público ficava
abaixo do nível do palco e via o
tempo todo a imagem da capa,
em versão ao vivo. Mas sob a saia
de palha dela não havia tanga".
Os antecedentes para tanta
transgressão estavam na capa-manifesto do disco-manifesto do
movimento que iria mudar o curso da história da música popular
(e pop). "Tropicália ou Panis et
Circensis" (68) misturava referências a "Sgt. Pepper's Lonely
Hearts Club Band" (67), dos Beatles, a irônicos tons de verde-e-amarelo e símbolos nacionais.
O grupo que participa do LP coletivo está todo reunido -Nara
Leão e Capinan só por fotografia,
porque não estavam ao alcance da
casa-estúdio paulistana na av.
Brasil, onde foi feita a sessão.
"Essa capa saiu graças ao fotógrafo Olivier Perroit e ao empresário Guilherme Araújo, que teve
a coragem de trazer essa novidade
ousada para a época: não havia
artista bonitinho posando para a
foto da capa", lembra o maestro
tropicalista Rogério Duprat.
O desbunde sexual ainda não
chegara à embalagem, o que atesta o figurino brejeiro de Rita Lee,
então um dos três Mutantes: "Escolhi um xale verde de tricô da
minha avó". Na manhã seguinte,
o Brasil acordou tropicalista.
Tropicalismo acabado em AI-5,
Caetano Veloso e Gilberto Gil foram para Londres em 69. De lá
Caetano preparou "Transa", que
marcou sua volta do exílio e fecha
o clube das cinco melhores capas.
Mais que pela aparência ou pelas cores da capa plana, "Transa"
impressionou pelo conceito concretista e pelo formato espacial.
"Expresso 2222" (também de 72),
de Gil, completava a idéia, transformando-se em um círculo gigante pela abertura de suas abas.
O preto sobre vermelho de
"Transa" alegorizava, intimidado,
o regime militar. O Brasil seguia
aos tropeços, negro e sanguinolento. E as capas de discos contavam tudo.
(LÚCIO RIBEIRO e PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Veja as capas mais votadas
Veja as capas citadas
Texto Anterior: Livros de "melhores" inspiram lista Próximo Texto: Frases Índice
|