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CRÍTICA/LIVRO
Bellotto consegue fazer literatura de entretenimento honesta e palatável
BIA ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"BR-163" começa com duas
epígrafes, do "Guia Quatro
Rodas" e do "On the Road", de
Jack Kerouac, mas ainda bem que
Tony Bellotto fiou-se mais na primeira do que na segunda.
Nenhum problema com Kerouac (na verdade, alguns, mas
que não cabem agora), mas é que
o terceiro livro de Bellotto está
mais próximo da linguagem clara,
descritiva, do "Guia" do que da
mitificação cool do beat.
Suas "duas histórias na estrada"
fundam-se num notável despojamento: trata-se mesmo de contar
duas histórias, tangencialmente
relacionadas. Apesar de parecer
um truísmo, é importante assinalar quando um autor diz que vai
contar duas histórias e o faz de
verdade, porque a praga de uma
certa literatura média contemporânea é justamente a ambição de
dar passos maiores que as pernas.
São policiais que se pretendem
"radiografias" da marginalidade,
romances para moças disfarçados
em dramas existenciais aparentemente profundos, coletâneas de
clichês proto-religiosos que tentam nos empulhar uma sabedoria
superior. O que há de errado em
contar uma história, bem contadinha, e só? Talvez o treino pop
profissional de Bellotto (lembrando, ele é guitarrista dos Titãs) tenha ajudado no exercício de circunscrição de um projeto dentro
dos limites cabíveis.
Talvez a experiência dos dois livros anteriores, "Bellini e a Esfinge" (1995) e "Bellini e o Demônio"
(1997), tenha dado cabo dos fumos do maneirismo noir em favor de uma certa simplicidade.
Não importa muito de onde ele tirou, mas o fato é que "BR-163"
cumpre o que promete.
As tais duas histórias, na verdade, revelam-se uma só desdobrada em dois tempos. No primeiro,
acompanhamos a policial Lavínia
perseguindo um fugitivo da polícia. À medida em que se desloca
entre o extremo oeste paulista até
o Mato Grosso, Lavínia reconstitui sua infância órfã, a busca pela
mãe e a identidade do fugitivo.
Na segunda, a prostituta Selene
envolve-se num esquema para livrar o pai falsificador da cadeia e
acaba tendo de fugir também.
O bacana é que, apesar de sugerir implicações e motivações psicológicas talvez complexas (a policial que investiga o próprio passado, a filha que arruína a sua vida
para salvar um pai no mínimo
omisso), ele não cede à tentação
de "aprofundá-las", o que o livra
de cair no sentimentalismo pragmático do qual os filmes americanos são os mestres. Elas estão lá
mais como dados do cenário, expostas, descritas e reconstituídas
como fluxo de consciência de alguns personagens, mas quase que
só para servir de baliza e de combustível para diálogos e ação.
O que por vezes se revela problemático é o não-delineamento
muito preciso dos personagens.
Os dois "duros", o policial Cardoso, parceiro de Lavínia, e Ubirajara Zarur, "protetor" de Selene,
embora de certa forma secundários, tendem a confundir-se ao final da leitura. Há trechos em que
as falas das protagonistas Lavínia
e Selene poderiam ser trocadas, e
momentos em que elas simplesmente desaparecem, dando lugar
a suas reflexões e reações que
mais parecem pertencer ao autor.
A leveza tem seu(s) preço(s), é
claro. Pelo menos, em sua desambição de contar uma história movimentada, ágil, cheia de idas e
vindas e de violência em suspensão por uma estrada brasileira,
Bellotto consegue fazer literatura
de entretenimento honesta e palatável. O que, digamos, não é tudo,
mas não é pouco neste país.
BR-163 (Duas Histórias na
Estrada)
Autor: Tony Bellotto
Editora: Companhia das Letras
Quanto:R$ 25 (211 págs.)
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