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CRÍTICA
O diálogo subordina a imagem
JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULIST AS
Os longas de ficção de
Sandra Werneck ("Pequeno Dicionário Amoroso" e,
agora, "Amores Possíveis") em
geral agradam a quem jamais
gostou de cinema brasileiro.
Eles têm o que supostamente
costuma faltar aos filmes nacionais: um roteiro "amarrado" (ou "redondo"), bons atores e um apuro técnico "que
nem parece brasileiro". Só falta
o cinema, mas deixemos esse
detalhe para depois da sinopse
de "Amores Possíveis".
Um casal de quase namorados, Carlos (Murilo Benício) e
Júlia (Carolina Ferraz), marca
encontro num cinema. Ela não
aparece. O roteiro especula sobre três variantes possíveis do
que aconteceria a partir dali.
Numa delas o rapaz casa-se
com outra mulher (Beth Goulart); em outra casa-se com a
própria Júlia, mas troca-a por
um homem (Emílio de Mello);
numa terceira, torna-se um
mulherengo e mora com a mãe
(Irene Ravache) até após os 30.
O entrelaçamento entre essas
realidades alternativas é conduzido de forma esperta e indolor. Depois de uma ligeira
perplexidade inicial, o espectador identifica claramente qual
dos três Carlos está na tela, por
força da competência dos atores e do esquematismo do roteiro e da encenação.
Não espere, em suma, nenhum Alain Resnais. "Amores
Possíveis" não foi feito para inquietar ninguém, e sim para divertir. Nada contra. Mas seria
mais interessante que o fizesse
com meios cinematográficos
-e é isso o que falta ao filme.
Como nas telenovelas brasileiras (herdeiras do rádio), tudo se subordina aos diálogos,
raramente entre mais de dois
personagens. O ambiente e a
paisagem -o espaço físico, em
suma- servem de meros cenários intercambiáveis a emoldurar as cabeças falantes. Dá a
impressão de que a grande
questão da "mise-en-scène"
era decidir se tal ou qual diálogo deveria se dar numa livraria
da moda ou num bar de chope.
A imagem, como regra geral,
é asséptica e "bonita" (no sentido mais domesticado do termo). Não perturba as falas, que
por sua vez estão a serviço da
esperteza mecânica do roteiro.
O filme não comporta o silêncio. Qualquer vácuo nos
diálogos é logo inundado por
música, como nas novelas, a induzir o sentimento do espectador de modo quase pavloviano.
O que o filme tem de melhor
está "nas beiradas", sobretudo
nas relações do Carlos garotão
com a mãe e do Carlos homossexual com o namorado (grande ator esse Emílio de Mello).
Com tantas restrições, por
que as três estrelas abaixo? Porque quem se guia só pelas estrelas não vai se decepcionar.
Amores Possíveis
Direção: Sandra Werneck
Produção: Brasil, 2000
Com: Carolina Ferraz, Murilo Benício
Quando: a partir de hoje nos cines
Iguatemi, Interlagos, Morumbi, Villa-Lobos e circuito
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