São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2001

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CRÍTICA

O diálogo subordina a imagem

JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULIST

AS Os longas de ficção de Sandra Werneck ("Pequeno Dicionário Amoroso" e, agora, "Amores Possíveis") em geral agradam a quem jamais gostou de cinema brasileiro.
Eles têm o que supostamente costuma faltar aos filmes nacionais: um roteiro "amarrado" (ou "redondo"), bons atores e um apuro técnico "que nem parece brasileiro". Só falta o cinema, mas deixemos esse detalhe para depois da sinopse de "Amores Possíveis".
Um casal de quase namorados, Carlos (Murilo Benício) e Júlia (Carolina Ferraz), marca encontro num cinema. Ela não aparece. O roteiro especula sobre três variantes possíveis do que aconteceria a partir dali.
Numa delas o rapaz casa-se com outra mulher (Beth Goulart); em outra casa-se com a própria Júlia, mas troca-a por um homem (Emílio de Mello); numa terceira, torna-se um mulherengo e mora com a mãe (Irene Ravache) até após os 30.
O entrelaçamento entre essas realidades alternativas é conduzido de forma esperta e indolor. Depois de uma ligeira perplexidade inicial, o espectador identifica claramente qual dos três Carlos está na tela, por força da competência dos atores e do esquematismo do roteiro e da encenação.
Não espere, em suma, nenhum Alain Resnais. "Amores Possíveis" não foi feito para inquietar ninguém, e sim para divertir. Nada contra. Mas seria mais interessante que o fizesse com meios cinematográficos -e é isso o que falta ao filme.
Como nas telenovelas brasileiras (herdeiras do rádio), tudo se subordina aos diálogos, raramente entre mais de dois personagens. O ambiente e a paisagem -o espaço físico, em suma- servem de meros cenários intercambiáveis a emoldurar as cabeças falantes. Dá a impressão de que a grande questão da "mise-en-scène" era decidir se tal ou qual diálogo deveria se dar numa livraria da moda ou num bar de chope.
A imagem, como regra geral, é asséptica e "bonita" (no sentido mais domesticado do termo). Não perturba as falas, que por sua vez estão a serviço da esperteza mecânica do roteiro.
O filme não comporta o silêncio. Qualquer vácuo nos diálogos é logo inundado por música, como nas novelas, a induzir o sentimento do espectador de modo quase pavloviano.
O que o filme tem de melhor está "nas beiradas", sobretudo nas relações do Carlos garotão com a mãe e do Carlos homossexual com o namorado (grande ator esse Emílio de Mello).
Com tantas restrições, por que as três estrelas abaixo? Porque quem se guia só pelas estrelas não vai se decepcionar.



Amores Possíveis
   
Direção: Sandra Werneck
Produção: Brasil, 2000
Com: Carolina Ferraz, Murilo Benício
Quando: a partir de hoje nos cines Iguatemi, Interlagos, Morumbi, Villa-Lobos e circuito




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