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CARLOS HEITOR CONY
Da mágica e necessária influência dos nomes
Acordei, dia desses, cismado com o meu próprio nome. Já me aconteceu cismar com
a minha cara, acho que isso pode
acontecer com qualquer um. Mas
estranhar o próprio nome deve
ser mais raro, pois há o recurso de
abreviá-lo, mudá-lo e até mesmo
substituí-lo por uma sigla ou um
número, como FHC, ACM. Houve
um ponta-direita do Fluminense
que se chamava 109, antes de James Bond virar 007.
Os judeus ortodoxos têm tanto
respeito pelo nome que se recusam a chamar Jeová de Jeová,
usam um anagrama complicado,
que é mais ou menos parecido
com Javé, mas não chega a ser isso. Conheci alguns que não pronunciavam o nome de Deus, em
vão ou a propósito. E, quando
obrigados a escrever o seu Santo
Nome, escreviam D'us -para
evitar a profanação de mencioná-lo em papéis profanos.
Picasso se chamava Pablo Diego José Francesco de Paula Juan
Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santissima
Trindad Ruiz y Picasso. Era nome
pra burro. Outro que tinha nome
complicado era Olavo Bilac, cujo
nome completo (Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac) formava um alexandrino perfeito. Reis
e mágicos de circo também costumam ter nomes compridos: no caso dos reis, para exibir a linhagem; no caso dos mágicos, para
coisa nenhuma, pois eles acabam
se apresentando como o Grande
Ivã ou o Grande Arthur.
Conheci um desses mágicos cuja
principal mágica era ele próprio,
pois uns o diziam chinês, outros
romeno, e ele não era nem chinês
nem romeno, mas vagamente
pernambucano, de Garanhuns,
parece.
Li não sei onde que outro mágico, este natural de Astúrias, guilhotinado por equívoco durante a
ditadura de Robespierre, se chamava José de la Cruz y Rios Paloma de la Anunción Cabrera y
Portos y Barrios de la Madre del
Cautivero Xavier de Cuencas y
Toros y Toros. Reduziu tudo isso
para um charmoso José Balsamo,
que, segundo alguns, era o próprio Cagliostro; segundo outros,
era coisa nenhuma, não passando de uma invenção de Alexandre Dumas, que o aproveitou para personagem de sua monumental história da Revolução Francesa, que ele preferiu chamar de
""Memórias de um Médico".
(Parênteses: um professor francês, natural de Nantes, suicidou-se após servir de guia durante 20
anos na Conciergerie, que foi palácio real e depois prisão do Estado durante a revolução. Motivo
do suicídio: todos os turistas que
visitavam a cela de Maria Antonieta conheciam história melhor
do que ele, pois haviam lido Alexandre Dumas, e ele se recusava a
ler um autor de segundo time.)
Esse tal de José Balsamo não foi
o primeiro nem o último a mudar
de nome. Nero chamava-se Lucio
Domizio Enobardi, e o Silvio Santos chama-se Senor Abravanel.
Santo Antônio chamava-se Fernando, e o poeta Drummond
achava que não adiantava mudar de nome: se se chamasse Raimundo, seria uma rima para o
vasto mundo, não uma solução.
Com todos esses exemplos, nunca pensei seriamente em mudar
de nome, mas, outro dia, cismei
que devia me chamar Rodolpho,
com "ph", como os amantes dos
romances de capa-e-espada, ou
Arnaldo, como os portugueses
que escapam de ser Manuel ou
Joaquim.
Acredito que se deva dar aos
que nascem um nome provisório,
alfanumérico, como as placas de
automóvel e os quarteirões de
Brasília. Ao atingir a maioridade,
o interessado escolheria o nome
que quisesse, que julgasse mais
apropriado a seu gosto e a suas
necessidades.
A lei dos países civilizados, como o nosso, permite a troca de nome, mas dá um trabalhão ir ao
Registro Civil, explicar o porquê
da mudança, alterar escrituras e
comunicar aos interessados que,
a partir de certa data, fulano de
tal não é mais fulano, mas sicrano, desde que não seja beltrano,
como uma emissora de rádio da
Argentina que tem esse nome.
Houve um instante, na vida nacional, em que ficou em moda
trocar o nome por motivos esotéricos, creditando à numerologia
poderes de prever o futuro e melhorar o passado. Sinceramente,
não acredito nessa mágica. De
minha parte, acho que o nome da
gente deveria ter aquilo que os dicionários chamam de ""apodo",
ou seja, uma espécie de apelido
que nos definisse, ou, ao menos,
nos explicasse.
Pepino, o Breve, por exemplo.
Nem sei por que Pepino foi breve
nem por que houve um Pepino, o
Grosso. Maria, a Louca, é um
bom exemplo de como se devia
chamar uma personagem como
ela. E dom Manuel, o Venturoso,
é mais explícito do que um simples algarismo romano.
Houve tempo, aqui no Rio, em
que ficou popular um torneio de
luta livre. Todos os lutadores
eram definidos e explicados pelo
próprio nome. Um armênio era
Karadajian, o Sujo. E um conde,
parece que da Bielo-Rússia, era
Norvina, o Guapo.
Eu nunca tinha ouvido falar
nesse nome, ""guapo". Pensei que
fosse alguma coisa obscena, pois
diziam que esse conde não era
conde nem Norvina, mas um gay
enrustido.
Foi pensando nisso tudo, nos
Pepinos grossos e breves, nas Marias loucas, nos armênios sujos e
nos condes guapos, que me conformei com o próprio nome e decidi aceitá-lo com humildade,
mas com um pouco de vergonha.
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