São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

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Tom Zé mergulha no ritmo de Zeca Pagodinho, que busca novas possibilidades musicais

As duas faces do pagode

Alexandre Campbell/Folha Imagem
O sambista carioca Zeca Pagodinho, que lança o CD "À Vera"


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Muito antes de o pagode se tornar um subgênero do samba, Zeca já era Pagodinho, apelido retirado da ala que sua família tinha no bloco Bohêmios de Irajá. Quando o subgênero explodiu, em 1986, ele estava à frente, vendendo 1 milhão de cópias de um disco de produção paupérrima.
Nos últimos dez anos, enquanto o pagode virava o retrato da diluição do samba, Zeca mostrava, em parceria com o arranjador Rildo Hora, como as possibilidades do samba são infinitas. "À Vera", seu novo CD, eleva isso à máxima potência: são dezenas de músicos em ação, o uso de instrumentos raros no gênero como oboé e harpa, e 15 faixas que resumem a farta oferta de compositores.
"Escolho 15 em 1.500. Para mim, música não falta; sobra", afirma Zeca, derrubando qualquer clichê do tipo "faltam novos compositores no Brasil".
Mas Zeca não tem sambas fresquinhos só porque vende mais -segundo a gravadora Universal, mais de 7 milhões de unidades desde 1995, entre CDs e DVDs. Tem porque, mesmo nos seus momentos de baixa (entre 1988 e 1994), não se rendeu à pasteurização do pagode de butique. E, nos de alta, nunca se esqueceu dos que surgiram com ele nos quintais do subúrbio carioca, como a quadra do Cacique de Ramos.
"É a turma que começou e sempre esteve comigo. Mas há espaço para outros. O pessoal do [morro do] Tuiuti surgiu muito bem neste disco", diz.
O "pessoal" é Bidubi, Brasil, Luizinho Toblow e Élcio do Pagode, autores da faixa-título do CD.

Em "À Vera", carioca explora as possibilidades do samba ao reunir time dos sonhos e instrumentos pouco usuais

São sambistas que já estiveram em outros discos de Zeca, mas precisam renovar seu visto de entrada a cada trabalho. Pecê Ribeiro ingressou agora nesta fila: está pela primeira vez no time graças a "Pra São Jorge".
Já Nelson Rufino, Arlindo Cruz, Trio Calafrio, Dudu Nobre, Zé Roberto, Ratinho, Monarco, Mauro Diniz, Nei Lopes, Almir Guineto e Serginho Meriti têm vaga cativa. Com exceção do primeiro, baiano, os outros formam uma espécie de "dream team" do samba carioca, e sabem traduzir o Rio que Zeca gosta de cantar: dos bares, das rodas, da vida suburbana, dos subempregados que lutam para se manter honestos, do cotidiano das favelas.
"Ainda hei de ver essa gente [das favelas] em paz. O verdadeiro inimigo está fora, em outro lugar. Nós, do subúrbio e dos morros, não podemos ser inimigos."
A aparente simplicidade de Zeca esconde uma grande sofisticação: na maneira de cantar, na abertura para outras idades e tendências -seus novos amigos Marcelo D2 e Seu Jorge participam do CD- e no aval que dá a Rildo para incluir elementos de música sinfônica nos arranjos.
"Não estudei com Guerra Peixe para escrever para caixa de fósforo. O samba pode receber muito mais do que cavaquinho, violão, couro e ritmo. Mas está tudo lá atrás [nos arranjos]. Na frente é a batucada", diz Rildo.


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