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Música
"Sei que vão me chamar de traidor", diz Lobão
Perto dos 50 anos, cantor diz que não há porque continuar briga com gravadoras
Artista afirma não estar decadente, declara estar cansado de ninguém ouvir suas músicas e que seu "Acústico" é diferente
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Nesta entrevista, Lobão fala
sobre o "Acústico", explica sua
volta a uma grande gravadora,
comenta o jabá e critica a esquerda.
(BRUNO YUTAKA SAITO)
FOLHA - Por que você resolveu voltar para uma grande gravadora e
gravar um "Acústico"?
LOBÃO - Estou fechando um ciclo. "Canções da Noite Escura"
[2005] foi um dos meus melhores discos. Quando saiu, foi um
fracasso. Vendeu umas 15 mil.
Foi pífio. Custou quatro anos
da minha vida pra fazer esse
disco. É frustrante. Tive então a
idéia de fazer disco ao vivo.
Choveram propostas. Praticamente todas as gravadoras me
procuraram. Aos 46 do segundo tempo, a SonyBMG falou comigo. Aí eu vejo pessoas diferentes por lá. Não sei quantos
processos eu tenho contra eles.
Isso aí é outra coisa. O pessoal
de agora não tem nada a ver
com aquilo. Assim como eu
converso com um executivo da
Petrobras pra captar recursos
pra minha revista, eu sou um
empresário. Pô, eu vou ficar
com raiva deles [da gravadora]?
FOLHA - Então a história de que as
gravadoras te odeiam é uma lenda?
LOBÃO - As pessoas jurídicas
não odeiam ninguém. Quem
odeia é a pessoa física. Desde
1999 [ano em que partiu para a
independência], carreiras já subiram e caíram. E eu tô aqui.
Quando fui assinar o contrato,
nas dependências novas da
SonyBMG, o [Alexandre]
Schiavo [gerente-geral da gravadora], falou: "Tá vendo, Lobão, tentei botar uma decoração mais artística. Mas o encolhimento deve-se muito à você"
[risos]. Fiquei superbrother dele. O que demonizaram as gravadoras.... Hoje as coisas são
feitas de maneira diferente.
Hoje nem fabricam mais as
máquinas que rodam os tapes
[Lobão brigava com a gravadora para ter direito aos originais
de seus discos]. Se você continuar lutando, vai parecer aqueles japoneses da ilha de Iwo Jima que continuaram resistindo
[na Segunda Guerra].
FOLHA - Não está sendo contraditório? Afinal, você sempre criticou
artistas que gravavam o "Acústico",
dizia que eles eram decadentes...
LOBÃO - Mas eram decadentes
mesmo! Você tem que entender que o contexto mudou. Repare bem nos artistas que estavam gravando o "Acústico" na
época em que eu falava isso
[97]. Hoje, o Marcelo D2 fez um
puta "Acústico". O Zeca Pagodinho também. Pô, o que eu
posso fazer se o nível melhorou? O que eu posso fazer se eu
tive a oportunidade de fazer um
disco bom? Qual a contradição?
A história é uma situação
mutável. O que às vezes é ruim
num momento é bom no outro.
Você não tem que ser inimigo...
o inimigo pode se tornar seu
parceiro. Sempre fui assim. Eu
sou o maior guerreiro, eu tô lutando. Sei que com isso tenho
condições de abrir horizontes
da música independente, a
Sony tem um interesse em saber o que a gente tá fazendo, o
que a revista ["Outracoisa",
fundada por Lobão] representa. Eu não estou decadente, o
disco tem um repertório ousado e me sinto um cara do universo paralelo invadindo o
mainstream. Se eu fosse um
derrotado, eu estaria só colocando sucessos mortos. As músicas que estão ali são músicas
vivas, que estão dando continuidade na minha carreira e
que estão censuradas há tempos [Lobão se refere ao fato de
seus discos independentes não
terem ido para as rádios].
FOLHA - Você está pagando jabá?
LOBÃO - Eu não pago jabá. Por
que eu assinado [com uma gravadora], toco [nas rádios], e não
assinado, não toco? Eu não tenho nada a ver com isso. Eu tô
numa gravadora e pronto. É
uma atitude muito moral dizer
que eu tô pagando jabá.
O buraco é muito mais embaixo. Tenho 50 anos e posso
dizer que não tenho tempo de
ficar esperando que alguém vá
prender alguém. Vou ficar de
herói aqui? Se eu for destruído
enquanto criador, e minha criatura sobreviver, tô no lucro, é
tudo que quero. Eu acredito
que sou merecedor de estar tocando na rádio. Se tá botando
jabá ou não, ouça a música.
Será que ela tem condições
de tocar na sua orelha? Tá sujando tua orelha? Então cala a
boca [risos]. Porque eu já fiz
muita coisa enquanto pessoa física, jurídica, política, continuo
fazendo. Detesto receber e-mail de gente falando "Adoro
você enquanto pensador". Quero que se foda esse tipo de pessoa. Quero que as pessoas ouçam minhas músicas. "A Vida É
Doce" vendeu umas 97 mil cópias. É pouco para o que eu quero. Vou ficar de Dom Quixote?
FOLHA - Você não se incomoda de
ser chamado de traidor?
LOBÃO - Podem me acusar. Essa questão vai aflorar muitos
preconceitos. Eu não mereço
ficar ouvindo as pessoas me
perguntando por que eu parei
de gravar. Pô, eu não parei. Não
mereço. Não tenho o perfil desses guerrilheiros de bosta, hipongas, acho uma merda, sacou? Sou um cara de direita,
sou fã do Delfim Neto [risos].
Brasil é assim porque é católico, culpado e de esquerda.
Os vilões são os parasitas, os
bem-intencionados são uns babacas. Você junta a filosofia de
vida que vivemos com toda a
inoperância desse sistema com
a flacidez comportamental da
classe artística, da maioria dos
pensadores em geral, dessa intelectualidade de esquerda que
fica com namoro embevecido
pela singeleza da pobreza: vão
tomar no cú. Vamos ser ricos.
Vamos crescer. Chega de "Caminhando e Cantando", "Sou
coitado". Esse tipo de coisa, não
admito. Sei que faço um trabalho de excelência. O trabalho tá
feito, agora vão reclamar.
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