São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

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Música

"Sei que vão me chamar de traidor", diz Lobão

Perto dos 50 anos, cantor diz que não há porque continuar briga com gravadoras

Artista afirma não estar decadente, declara estar cansado de ninguém ouvir suas músicas e que seu "Acústico" é diferente


ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Nesta entrevista, Lobão fala sobre o "Acústico", explica sua volta a uma grande gravadora, comenta o jabá e critica a esquerda. (BRUNO YUTAKA SAITO)

 

FOLHA - Por que você resolveu voltar para uma grande gravadora e gravar um "Acústico"?
LOBÃO -
Estou fechando um ciclo. "Canções da Noite Escura" [2005] foi um dos meus melhores discos. Quando saiu, foi um fracasso. Vendeu umas 15 mil.
Foi pífio. Custou quatro anos da minha vida pra fazer esse disco. É frustrante. Tive então a idéia de fazer disco ao vivo.
Choveram propostas. Praticamente todas as gravadoras me procuraram. Aos 46 do segundo tempo, a SonyBMG falou comigo. Aí eu vejo pessoas diferentes por lá. Não sei quantos processos eu tenho contra eles.
Isso aí é outra coisa. O pessoal de agora não tem nada a ver com aquilo. Assim como eu converso com um executivo da Petrobras pra captar recursos pra minha revista, eu sou um empresário. Pô, eu vou ficar com raiva deles [da gravadora]?

FOLHA - Então a história de que as gravadoras te odeiam é uma lenda?
LOBÃO -
As pessoas jurídicas não odeiam ninguém. Quem odeia é a pessoa física. Desde 1999 [ano em que partiu para a independência], carreiras já subiram e caíram. E eu tô aqui. Quando fui assinar o contrato, nas dependências novas da SonyBMG, o [Alexandre] Schiavo [gerente-geral da gravadora], falou: "Tá vendo, Lobão, tentei botar uma decoração mais artística. Mas o encolhimento deve-se muito à você" [risos]. Fiquei superbrother dele. O que demonizaram as gravadoras.... Hoje as coisas são feitas de maneira diferente.
Hoje nem fabricam mais as máquinas que rodam os tapes [Lobão brigava com a gravadora para ter direito aos originais de seus discos]. Se você continuar lutando, vai parecer aqueles japoneses da ilha de Iwo Jima que continuaram resistindo [na Segunda Guerra].

FOLHA - Não está sendo contraditório? Afinal, você sempre criticou artistas que gravavam o "Acústico", dizia que eles eram decadentes...
LOBÃO -
Mas eram decadentes mesmo! Você tem que entender que o contexto mudou. Repare bem nos artistas que estavam gravando o "Acústico" na época em que eu falava isso [97]. Hoje, o Marcelo D2 fez um puta "Acústico". O Zeca Pagodinho também. Pô, o que eu posso fazer se o nível melhorou? O que eu posso fazer se eu tive a oportunidade de fazer um disco bom? Qual a contradição?
A história é uma situação mutável. O que às vezes é ruim num momento é bom no outro. Você não tem que ser inimigo... o inimigo pode se tornar seu parceiro. Sempre fui assim. Eu sou o maior guerreiro, eu tô lutando. Sei que com isso tenho condições de abrir horizontes da música independente, a Sony tem um interesse em saber o que a gente tá fazendo, o que a revista ["Outracoisa", fundada por Lobão] representa. Eu não estou decadente, o disco tem um repertório ousado e me sinto um cara do universo paralelo invadindo o mainstream. Se eu fosse um derrotado, eu estaria só colocando sucessos mortos. As músicas que estão ali são músicas vivas, que estão dando continuidade na minha carreira e que estão censuradas há tempos [Lobão se refere ao fato de seus discos independentes não terem ido para as rádios].

FOLHA - Você está pagando jabá?
LOBÃO -
Eu não pago jabá. Por que eu assinado [com uma gravadora], toco [nas rádios], e não assinado, não toco? Eu não tenho nada a ver com isso. Eu tô numa gravadora e pronto. É uma atitude muito moral dizer que eu tô pagando jabá.
O buraco é muito mais embaixo. Tenho 50 anos e posso dizer que não tenho tempo de ficar esperando que alguém vá prender alguém. Vou ficar de herói aqui? Se eu for destruído enquanto criador, e minha criatura sobreviver, tô no lucro, é tudo que quero. Eu acredito que sou merecedor de estar tocando na rádio. Se tá botando jabá ou não, ouça a música.
Será que ela tem condições de tocar na sua orelha? Tá sujando tua orelha? Então cala a boca [risos]. Porque eu já fiz muita coisa enquanto pessoa física, jurídica, política, continuo fazendo. Detesto receber e-mail de gente falando "Adoro você enquanto pensador". Quero que se foda esse tipo de pessoa. Quero que as pessoas ouçam minhas músicas. "A Vida É Doce" vendeu umas 97 mil cópias. É pouco para o que eu quero. Vou ficar de Dom Quixote?

FOLHA - Você não se incomoda de ser chamado de traidor?
LOBÃO -
Podem me acusar. Essa questão vai aflorar muitos preconceitos. Eu não mereço ficar ouvindo as pessoas me perguntando por que eu parei de gravar. Pô, eu não parei. Não mereço. Não tenho o perfil desses guerrilheiros de bosta, hipongas, acho uma merda, sacou? Sou um cara de direita, sou fã do Delfim Neto [risos]. Brasil é assim porque é católico, culpado e de esquerda.
Os vilões são os parasitas, os bem-intencionados são uns babacas. Você junta a filosofia de vida que vivemos com toda a inoperância desse sistema com a flacidez comportamental da classe artística, da maioria dos pensadores em geral, dessa intelectualidade de esquerda que fica com namoro embevecido pela singeleza da pobreza: vão tomar no cú. Vamos ser ricos. Vamos crescer. Chega de "Caminhando e Cantando", "Sou coitado". Esse tipo de coisa, não admito. Sei que faço um trabalho de excelência. O trabalho tá feito, agora vão reclamar.


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