São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Ó Paí, Ó" avista o Brasil a partir da Bahia

Com novo filme, que estréia hoje, Monique Gardenberg busca "cutucar pontos nevrálgicos do país", em tom de comédia

Produção nacional encara a concorrência de blockbuster "300" no lançamento; em 2008, filme será desdobrado em seriado da TV Globo


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No cortiço no Pelourinho onde se abrigam os personagens de "Ó Paí, Ó" -longa de Monique Gardenberg que chega hoje às telas-, a rotina é a falta de grana, de água, de perspectiva.
Mas, nesse último dia de Carnaval em que se passa o filme, prevalece a receita do compositor Batatinha, agregado à trilha sonora assinada por Caetano Veloso: "Dê passagem à alegria, nem que seja por um dia".
"Ó Paí, Ó" é, portanto, uma comédia com fundo sério. Ou, ainda, um filme que "mostra o Carnaval visto por baixo" e "toca em pontos nevrálgicos do país, sem perder o humor", nas palavras de sua diretora.
Entre os "pontos nevrálgicos" estão o aborto, o racismo, a homossexualidade, a prostituição, a desatenção do Estado às populações pobres e, também, "uma discussão sobre como a igreja evangélica vai invadindo a Bahia negra, berço do candomblé", cita Gardenberg.
Os grandes temas se inserem no filme por meio da vida cotidiana de seus personagens.

Síndica
A "síndica" do cortiço é uma fervorosa evangélica, em constante atrito com o modo de vida dos moradores do edifício. Vivem ali a dona de uma clínica clandestina de abortos, cuja irmã é imigrante ilegal na Europa; um travesti e seu amante, um motorista de táxi casado, cuja mulher está grávida; e uma jogadora de búzios, entre outros "pecadores", incluindo os filhos pequenos da síndica, oscilantes entre as rígidas obrigações religiosas impostas pela mãe e a tentação de surrupiar alimentos na feira livre.
A história é originalmente uma peça teatral escrita por Márcio Meirelles, atual secretário da Cultura da Bahia, a partir de experiências reais de moradores do Pelourinho. Foi encenada, com êxito, pelo Bando de Teatro Olodum, nos anos 90.
Gardenberg, autora de "Jenipapo" e "Benjamim", diz que assumiu, neste seu terceiro longa, "o grande desafio" de provocar no público o impacto que ela mesma teve quando viu a peça pela primeira vez.
"Ó Paí, Ó" e o Bando de Teatro Olodum foram também o berço artístico do ator baiano Lázaro Ramos, que protagoniza o filme, como o aspirante a cantor Roque.

Inspiração
"Esse foi o trabalho que me inspirou a ser ator. Antes, eu fazia teatro [na Bahia] apenas para perder a timidez. Quando vi "Ó Paí, Ó", descobri essa possibilidade que a arte tem de entreter e, ao mesmo tempo, fazer refletir", afirma Ramos.
Em 2008, o longa será desdobrado em seriado na Globo, na linha de sucessão de "Antônia" (Tata Amaral), que fez caminho inverso -estreou primeiro na TV, para depois ir ao cinema.
"No meu caso, seria impossível", diz Gardenberg. "Começando na TV, perderíamos autenticidade. Teríamos de suavizar os palavrões e a abordagem de questões que queremos cutucar, como o aborto e o homossexualismo", diz a cineasta.
"Ó Paí, Ó" estréia com cem cópias em 40 cidades. Para cumprir a meta de atrair grande público ao cinema, o filme precisará mostrar força diante da corpulenta concorrência do blockbuster hollywoodiano "300", que também estréia hoje, em 550 salas de 160 cidades e com a atração adicional de ter o ator brasileiro Rodrigo Santoro. "Dá um "medão'", diz Gardenberg. Ramos prefere curtir a alegria de estar na tela grande ao lado de seu Bando Olodum. Por muitos dias, espera.


Texto Anterior: Crítica/"Maria Bethânia": Cineasta segue os passos de Bethânia com candura
Próximo Texto: Ator diverge da ministra sobre racismo "natural"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.