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"Ó Paí, Ó" avista o Brasil a partir da Bahia
Com novo filme, que estréia hoje, Monique Gardenberg busca "cutucar pontos nevrálgicos do país", em tom de comédia
Produção nacional encara a concorrência de blockbuster "300" no lançamento; em 2008, filme será desdobrado em seriado da TV Globo
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
No cortiço no Pelourinho onde se abrigam os personagens
de "Ó Paí, Ó" -longa de Monique Gardenberg que chega hoje
às telas-, a rotina é a falta de
grana, de água, de perspectiva.
Mas, nesse último dia de Carnaval em que se passa o filme,
prevalece a receita do compositor Batatinha, agregado à trilha
sonora assinada por Caetano
Veloso: "Dê passagem à alegria,
nem que seja por um dia".
"Ó Paí, Ó" é, portanto, uma
comédia com fundo sério. Ou,
ainda, um filme que "mostra o
Carnaval visto por baixo" e "toca em pontos nevrálgicos do
país, sem perder o humor", nas
palavras de sua diretora.
Entre os "pontos nevrálgicos" estão o aborto, o racismo, a
homossexualidade, a prostituição, a desatenção do Estado às
populações pobres e, também,
"uma discussão sobre como a
igreja evangélica vai invadindo
a Bahia negra, berço do candomblé", cita Gardenberg.
Os grandes temas se inserem
no filme por meio da vida cotidiana de seus personagens.
Síndica
A "síndica" do cortiço é uma
fervorosa evangélica, em constante atrito com o modo de vida
dos moradores do edifício. Vivem ali a dona de uma clínica
clandestina de abortos, cuja irmã é imigrante ilegal na Europa; um travesti e seu amante,
um motorista de táxi casado,
cuja mulher está grávida; e uma
jogadora de búzios, entre outros "pecadores", incluindo os
filhos pequenos da síndica, oscilantes entre as rígidas obrigações religiosas impostas pela
mãe e a tentação de surrupiar
alimentos na feira livre.
A história é originalmente
uma peça teatral escrita por
Márcio Meirelles, atual secretário da Cultura da Bahia, a partir de experiências reais de moradores do Pelourinho. Foi encenada, com êxito, pelo Bando
de Teatro Olodum, nos anos 90.
Gardenberg, autora de "Jenipapo" e "Benjamim", diz que
assumiu, neste seu terceiro
longa, "o grande desafio" de
provocar no público o impacto
que ela mesma teve quando viu
a peça pela primeira vez.
"Ó Paí, Ó" e o Bando de Teatro Olodum foram também o
berço artístico do ator baiano
Lázaro Ramos, que protagoniza o filme, como o aspirante a
cantor Roque.
Inspiração
"Esse foi o trabalho que me
inspirou a ser ator. Antes, eu fazia teatro [na Bahia] apenas para perder a timidez. Quando vi
"Ó Paí, Ó", descobri essa possibilidade que a arte tem de entreter e, ao mesmo tempo, fazer
refletir", afirma Ramos.
Em 2008, o longa será desdobrado em seriado na Globo, na
linha de sucessão de "Antônia"
(Tata Amaral), que fez caminho
inverso -estreou primeiro na
TV, para depois ir ao cinema.
"No meu caso, seria impossível", diz Gardenberg. "Começando na TV, perderíamos autenticidade. Teríamos de suavizar os palavrões e a abordagem
de questões que queremos cutucar, como o aborto e o homossexualismo", diz a cineasta.
"Ó Paí, Ó" estréia com cem
cópias em 40 cidades. Para
cumprir a meta de atrair grande público ao cinema, o filme
precisará mostrar força diante
da corpulenta concorrência do
blockbuster hollywoodiano
"300", que também estréia hoje, em 550 salas de 160 cidades
e com a atração adicional de ter
o ator brasileiro Rodrigo Santoro. "Dá um "medão'", diz Gardenberg. Ramos prefere curtir
a alegria de estar na tela grande
ao lado de seu Bando Olodum.
Por muitos dias, espera.
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