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Filme mostra Caetano "estrangeiro"
Documentário exibido hoje no festival É Tudo Verdade acompanha turnê de artista e enfoca sua relação com o mundo
Conquistas do tropicalismo e reconhecimento do cantor no exterior levaram diretor Fernando Grostein Andrade a transformar tema em eixo
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL
Andando por Nova York,
com gestos largos, Caetano Veloso parece se dirigir não à câmera, mas ao câmera: "Vivi até
os 18 anos em Santo Amaro [da
Purificação, na Bahia]. Não sou
um cara de São Paulo que já
nasceu achando que estava no
mundo".
Foi neste momento que o câmera -na verdade, o diretor-
paulista Fernando Grostein
Andrade descobriu o eixo de
seu documentário sobre Caetano: a relação com o mundo de
um compositor que, nascido no
interior, injetou temas internacionais no panorama musical
do Brasil dos anos 60 e, hoje, é
um dos artistas do país mais
respeitados no exterior.
"Coração Vagabundo", que
será exibido hoje no festival É
Tudo Verdade, não tem pretensões biográficas ou didáticas
em relação a Caetano. Do alto
de seus 28 anos, tendo feito as
entrevistas quando tinha entre
23 e 25, Andrade diz que sua juventude e o estilo "câmera na
mão" foram trunfos.
"Ele nunca ia se soltar como
se soltou se tivesse uma equipe
grande atrás. E eu não queria
explicar Caetano. Não sou um
intelectual, não sabia mesmo
várias coisas e tinha uma vontade genuína de saber", afirma
o diretor.
Andrade tinha feito um trabalho em "Lisbela e o Prisioneiro", e uma das produtoras do
filme, Paula Lavigne, então casada com Caetano e ainda hoje
sua empresária, o convidou para registrar o lançamento do
CD "A Foreign Sound" no Baretto, em São Paulo.
Empolgado, ele acabou
acompanhando apresentações
no Carnegie Hall, em Nova
York, e em três cidades do Japão -além de falar com o músico David Byrne e os cineastas
Pedro Almodóvar e Michelangelo Antonioni.
Pôde registrar um Caetano
mais à vontade, contando piadas e falando pequenas baixarias, mostrar seu desconforto
de estrangeiro em algumas situações -ao falar de como foi
revistado no Japão, por exemplo- e colher depoimentos durante passeios.
"Os autoproclamados cosmopolitas, que se sentem acima dos brasileiros, nos [tropicalistas] desprezam com muita facilidade, sem reconhecer o
grande esforço que foi feito por
um grupo que veio da Bahia e
encontrou nos paulistas os melhores comparsas para criar
uma espécie de arma, um aríete
para abalar esse muro de provincianismo na criação de música popular no Brasil", diz ele,
em Nova York.
Surpresa
Já no Japão, durante visita a
um templo budista, é surpreendido por um monge que diz ser
fã de "Coração Vagabundo".
Ele responde contando que fez
a canção quando era muito jovem. O fato de ela ter sido composta ainda em Santo Amaro e
ganhar tanta projeção contribuiu para virar o título do documentário -que, antes, se chamava "O Errante Navegante".
Também responde com veemência a uma crítica feita numa revista por Hermeto Pascoal, que o chamara de "musiquinho" por considerar a música norte-americana mais importante do que a brasileira.
"Eu sou um musiquinho e,
também, um poetazinho. [...]
Usando o critério dele, os Estados Unidos arrasam. Ele é apenas uma gota num oceano de
pessoas que admira", diz.
Em outros momentos, Caetano se mostra íntimo e triste,
como ao falar de sua sensação
ao pousar em Los Angeles, escala para o Japão. "Olhando para baixo, me deu uma emoção
estranha que eu só poderia resolver fazendo uma música.
Vou ter que fazer", conta ele,
que faria mesmo "Minhas Lágrimas", do disco "Cê".
Filha
No final, ele conta que já pensou em deixar recomendação
para ser cremado, mas que prefere mesmo ser enterrado no
cemitério de Santo Amaro ao
lado de seu pai e sua filha -Júlia nasceu em janeiro de 1979,
mas viveu apenas alguns dias.
A Natasha, empresa de Lavigne, produziu o filme ao lado
da Cine e da TeleImage, mas
Caetano só viu o resultado recentemente e não pediu mudanças, segundo Andrade.
Na cena inicial, diz o diretor,
Lavigne até reclamou de ter sido cortada a nudez total do cantor. A nudez, então, foi integrada à versão final. Dura um segundo.
CORAÇÃO VAGABUNDO
Direção: Fernando Grostein Andrade
Quando: hoje, às 19h, no Cinesesc
(SP); dia 3, às 20h, no Unibanco Arteplex (RJ)
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