São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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Filme mostra Caetano "estrangeiro"

Documentário exibido hoje no festival É Tudo Verdade acompanha turnê de artista e enfoca sua relação com o mundo

Conquistas do tropicalismo e reconhecimento do cantor no exterior levaram diretor Fernando Grostein Andrade a transformar tema em eixo

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

Andando por Nova York, com gestos largos, Caetano Veloso parece se dirigir não à câmera, mas ao câmera: "Vivi até os 18 anos em Santo Amaro [da Purificação, na Bahia]. Não sou um cara de São Paulo que já nasceu achando que estava no mundo".
Foi neste momento que o câmera -na verdade, o diretor- paulista Fernando Grostein Andrade descobriu o eixo de seu documentário sobre Caetano: a relação com o mundo de um compositor que, nascido no interior, injetou temas internacionais no panorama musical do Brasil dos anos 60 e, hoje, é um dos artistas do país mais respeitados no exterior.
"Coração Vagabundo", que será exibido hoje no festival É Tudo Verdade, não tem pretensões biográficas ou didáticas em relação a Caetano. Do alto de seus 28 anos, tendo feito as entrevistas quando tinha entre 23 e 25, Andrade diz que sua juventude e o estilo "câmera na mão" foram trunfos.
"Ele nunca ia se soltar como se soltou se tivesse uma equipe grande atrás. E eu não queria explicar Caetano. Não sou um intelectual, não sabia mesmo várias coisas e tinha uma vontade genuína de saber", afirma o diretor.
Andrade tinha feito um trabalho em "Lisbela e o Prisioneiro", e uma das produtoras do filme, Paula Lavigne, então casada com Caetano e ainda hoje sua empresária, o convidou para registrar o lançamento do CD "A Foreign Sound" no Baretto, em São Paulo.
Empolgado, ele acabou acompanhando apresentações no Carnegie Hall, em Nova York, e em três cidades do Japão -além de falar com o músico David Byrne e os cineastas Pedro Almodóvar e Michelangelo Antonioni.
Pôde registrar um Caetano mais à vontade, contando piadas e falando pequenas baixarias, mostrar seu desconforto de estrangeiro em algumas situações -ao falar de como foi revistado no Japão, por exemplo- e colher depoimentos durante passeios.
"Os autoproclamados cosmopolitas, que se sentem acima dos brasileiros, nos [tropicalistas] desprezam com muita facilidade, sem reconhecer o grande esforço que foi feito por um grupo que veio da Bahia e encontrou nos paulistas os melhores comparsas para criar uma espécie de arma, um aríete para abalar esse muro de provincianismo na criação de música popular no Brasil", diz ele, em Nova York.

Surpresa
Já no Japão, durante visita a um templo budista, é surpreendido por um monge que diz ser fã de "Coração Vagabundo".
Ele responde contando que fez a canção quando era muito jovem. O fato de ela ter sido composta ainda em Santo Amaro e ganhar tanta projeção contribuiu para virar o título do documentário -que, antes, se chamava "O Errante Navegante".
Também responde com veemência a uma crítica feita numa revista por Hermeto Pascoal, que o chamara de "musiquinho" por considerar a música norte-americana mais importante do que a brasileira. "Eu sou um musiquinho e, também, um poetazinho. [...] Usando o critério dele, os Estados Unidos arrasam. Ele é apenas uma gota num oceano de pessoas que admira", diz.
Em outros momentos, Caetano se mostra íntimo e triste, como ao falar de sua sensação ao pousar em Los Angeles, escala para o Japão. "Olhando para baixo, me deu uma emoção estranha que eu só poderia resolver fazendo uma música.
Vou ter que fazer", conta ele, que faria mesmo "Minhas Lágrimas", do disco "Cê".

Filha
No final, ele conta que já pensou em deixar recomendação para ser cremado, mas que prefere mesmo ser enterrado no cemitério de Santo Amaro ao lado de seu pai e sua filha -Júlia nasceu em janeiro de 1979, mas viveu apenas alguns dias.
A Natasha, empresa de Lavigne, produziu o filme ao lado da Cine e da TeleImage, mas Caetano só viu o resultado recentemente e não pediu mudanças, segundo Andrade.
Na cena inicial, diz o diretor, Lavigne até reclamou de ter sido cortada a nudez total do cantor. A nudez, então, foi integrada à versão final. Dura um segundo.


CORAÇÃO VAGABUNDO
Direção:
Fernando Grostein Andrade
Quando: hoje, às 19h, no Cinesesc (SP); dia 3, às 20h, no Unibanco Arteplex (RJ)


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