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Carvalho pensou atitude como forma
Documentos no arquivo mostram provocações de um artista fragmentário com obra dividida entre produção e reflexão
Bienal de São Paulo quer reencenar sua peça "Bailado do Deus Morto", enquanto MAM faz retrospectiva e Madri recebe arquitetura
DO ENVIADO A CAMPINAS (SP)
No "álbum dos comensais",
como Flávio de Carvalho chamou seus recortes fotográficos
e memórias pessoais, estão
mensagens de Oswald de Andrade, Maria Della Costa, Eleazar de Carvalho e outros que
passavam temporadas de ócio
na fazenda Capuava, construção emblemática do modernismo no Brasil, que o artista projetou para ser a sua casa.
"Sem óculos, só posso ver
com os olhos da alma", anotou
o autor de "O Rei da Vela" num
canto. "E os olhos da alma tenho sempre voltados para o antropófago Flávio de Carvalho."
Nos anos 50, quando jantares
na fazenda em Valinhos tomavam ares expressionistas e festas à beira da piscina de luz vermelha arrebanhavam a nata intelectual do país, Carvalho já
era a figura histriônica que irradiava a vertente mais libertária
do pensamento modernista.
Àquela altura, já tinha desafiado uma procissão de Corpus
Christi, indo contra o fluxo de
boné e flertando com as devotas -a chamada "Experiência
n. 2". Desenhos que fez de sua
mãe morrendo, a célebre "Série
Trágica", chocaram o público.
Sua primeira exposição tinha
sido fechada pela Delegacia de
Costumes por causa dos nus e
seu Teatro da Experiência, interditado pelas heresias da peça "Bailado do Deus Morto".
É a mesma peça que a Bienal
de São Paulo pretende reencenar em Valinhos e transmitir
em tempo real para o pavilhão
no Ibirapuera em setembro.
Seu projeto arquitetônico
para o palácio do governo do
Estado de São Paulo, que está
nos arquivos recuperados, tinha canhões de luz tão cenográficos quanto as máscaras de
alumínio que inventou para o
palco e pistas de pouso para
aviões em terraços simétricos.
Era uma obra mais de atitude
do que resultado formal. Carvalho falava numa "revolução estética" como "fenômeno de
turbulência, com polarização
de forças anímicas básicas".
E ele desenhou esse contraste no ato de se vestir. Quando
encena sua "Experiência n. 3",
de meia arrastão, saia e chapéu,
está ao lado de senhoras comportadas em plena metade dos
anos 50. Carvalho desfilou pelas ruas de São Paulo com seu
"traje de verão", propondo uma
nova arquitetura do corpo, no
mesmo ano em que Juscelino
Kubitschek lançou os planos
para a construção de Brasília,
utopia arquitetônica nacional.
Mas fica difícil entender que
fragmento de cada uma das experiências era a obra em si. Depois de escapar ao linchamento
na procissão de 1931, escreveu
um livro de reflexões. As roupas que usou no verão de 1956
já foram exibidas como se fossem obra de arte, mas foi a caminhada em si, da qual restam
só fotografias, que contou.
Na mostra que o Museu de
Arte Moderna de São Paulo
abre em meados de abril, documentos das performances, livros de sua biblioteca guardada
na Unicamp, além de um recorte de seus desenhos e pinturas,
vão tentar dar conta da história.
No Reina Sofía, em maio, detalhes de seus projetos arquitetônicos vão mostrar outra cara
do ser fragmentário chamado
Flávio de Carvalho.
(SILAS MARTÍ)
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