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CRÍTICA
Policial promove uma leitura insana da história
CRÍTICO DA FOLHA
O ator Procópio Ferreira, o
músico Souza Lima e o advogado Sobral Pinto são algumas
das figuras reais que comparecem
ao novo romance de Jô Soares,
que, desde sua primeira narrativa
longa vem se esmerando na arte
de combinar fato e ficção. Aqui,
quem conhece os fatos, com efeito, mata a charada proposta pelo
assassino.
Soares chega a dedicar um capítulo a um antigo sogro, pai de sua
primeira mulher Teresa. O médico e acadêmico Antônio Austregésilo, conhecido pelo apelido de
"Pé de Luxo", por causa do hábito
de usar polainas, é quem empresta ao detetive os livros esotéricos
-também reais- que o ajudam
a desvendar os crimes.
São constantes ainda as menções ao Rio Antigo: o hotel Copacabana Palace havia sido inaugurado no ano anterior ao início da
ação, a maquete do Cristo Redentor é apresentada à população do
Rio. Soares brinca até de "roman
à clef", inserindo Paulo Coelho
sob disfarce em sua trama.
A presença de Coelho permite-nos tecer considerações sobre o
narrador da obra, que não devemos, em princípio, confundir
com o autor. Temos um narrador
bastante culto, irônico, que percebe os aspectos ridículos da nata de
nossa sociedade, e sabe rir deles.
O narrador pretende estar "colado" à época em que a história
transcorre, 1924, como revelam os
trechos em que diz que o mural da
igreja Nossa Senhora da Candelária havia sido "recentemente" restaurado; ou que um duelo de espadas era algo típico do "século
passado" -decerto o 19, não o 20.
No entanto, se estivesse de verdade ali, na década de 20, o narrador supostamente contemporâneo não teria tratado de vários assuntos como eles se mostram no
romance. Não é só por que o Rio e
a República brasileira estão lá
quase que como personagens mas
principalmente pelo fato de existir uma necessidade de explicá-los
a um público leitor que, no futuro,
viria a perder os parâmetros do
próprio passado.
Assim, um narrador de 1920
não teria tanta avidez em citar
textualmente artistas então estreantes como Dulcina de Moraes
ou Jayme Costa, por exemplo, ou
talvez não estivesse tão disposto a
nomear o último lançamento em
perfumaria de Coco Chanel. Esses
elementos, quando não vêm inseridos dramaticamente na ação,
saltam aos olhos como marcos
num passeio turístico.
É como se o narrador tivesse sobre os seus ombros, aí sim, o autor, que, de volta para o futuro,
quer ofertar ao seu público mais
do que um "whodunit" satírico.
Sua intenção subjacente, mas
inescapável, é fornecer uma lição
de história cotidiana. Como ela
poderia insanamente ter sido. E
muitas vezes foi.
(MP)
Assassinatos na Academia Brasileira de Letras
Autor: Jô Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 35 (256 págs.)
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