São Paulo, sábado, 30 de abril de 2005

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CRÍTICA

Policial promove uma leitura insana da história

CRÍTICO DA FOLHA

O ator Procópio Ferreira, o músico Souza Lima e o advogado Sobral Pinto são algumas das figuras reais que comparecem ao novo romance de Jô Soares, que, desde sua primeira narrativa longa vem se esmerando na arte de combinar fato e ficção. Aqui, quem conhece os fatos, com efeito, mata a charada proposta pelo assassino.
Soares chega a dedicar um capítulo a um antigo sogro, pai de sua primeira mulher Teresa. O médico e acadêmico Antônio Austregésilo, conhecido pelo apelido de "Pé de Luxo", por causa do hábito de usar polainas, é quem empresta ao detetive os livros esotéricos -também reais- que o ajudam a desvendar os crimes.
São constantes ainda as menções ao Rio Antigo: o hotel Copacabana Palace havia sido inaugurado no ano anterior ao início da ação, a maquete do Cristo Redentor é apresentada à população do Rio. Soares brinca até de "roman à clef", inserindo Paulo Coelho sob disfarce em sua trama.
A presença de Coelho permite-nos tecer considerações sobre o narrador da obra, que não devemos, em princípio, confundir com o autor. Temos um narrador bastante culto, irônico, que percebe os aspectos ridículos da nata de nossa sociedade, e sabe rir deles.
O narrador pretende estar "colado" à época em que a história transcorre, 1924, como revelam os trechos em que diz que o mural da igreja Nossa Senhora da Candelária havia sido "recentemente" restaurado; ou que um duelo de espadas era algo típico do "século passado" -decerto o 19, não o 20.
No entanto, se estivesse de verdade ali, na década de 20, o narrador supostamente contemporâneo não teria tratado de vários assuntos como eles se mostram no romance. Não é só por que o Rio e a República brasileira estão lá quase que como personagens mas principalmente pelo fato de existir uma necessidade de explicá-los a um público leitor que, no futuro, viria a perder os parâmetros do próprio passado.
Assim, um narrador de 1920 não teria tanta avidez em citar textualmente artistas então estreantes como Dulcina de Moraes ou Jayme Costa, por exemplo, ou talvez não estivesse tão disposto a nomear o último lançamento em perfumaria de Coco Chanel. Esses elementos, quando não vêm inseridos dramaticamente na ação, saltam aos olhos como marcos num passeio turístico.
É como se o narrador tivesse sobre os seus ombros, aí sim, o autor, que, de volta para o futuro, quer ofertar ao seu público mais do que um "whodunit" satírico. Sua intenção subjacente, mas inescapável, é fornecer uma lição de história cotidiana. Como ela poderia insanamente ter sido. E muitas vezes foi. (MP)


Assassinatos na Academia Brasileira de Letras
   
Autor: Jô Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 35 (256 págs.)



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