São Paulo, sábado, 30 de abril de 2005

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RODAPÉ

Um guia de viagem para a pós-modernidade

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Pós-moderno é um dos conceitos mais controvertidos nas discussões sobre estética e cultura -o que torna fundamental um livro como o organizado pelo editor J. Guinsburg e pela arte-educadora Ana Mae Barbosa. Com mais de 700 páginas e quase 30 colaboradores, "O Pós-Modernismo" esquadrinha praticamente todas as formas de manifestação daquilo que é definido ora como um estilo (ou um "não-estilo" caracterizado pelo pastiche e pelo ecletismo), ora como superestrutura da era pós-industrial -mas que, para alguns teóricos, não passa de rótulo ideológico para tornar palatável a "lógica cultural do capitalismo tardio" (subtítulo de um estudo célebre de Fredric Jameson).
O livro comporta todas essas visões. Traz ensaios sobre arquitetura, cinema, tecnologia, música, antropologia, estudos culturais, dança, teatro e sobre o papel da moda na "sociedade do espetáculo". Graças ao trabalho de Ana Mae, inclui contribuições sobre arte-educação, feminismo e multiculturalismo de ensaístas norte-americanos como Arthur Danto e Lucy Lippard (criadora do conceito de "desmaterialização da obra de arte", mobilizado pela Bienal de São Paulo de 1996).
A literatura aparece nas reflexões de Ricardo Araújo sobre poesia brasileira, mas estranhamente não há espaço para a prosa -que poderia proporcionar exegeses de inúmeros autores, desde Georges Perec até Thomas Pynchon ou brasileiros como Silviano Santiago e Bernardo Carvalho.
A seção inicial traz textos mais teóricos e abrangentes. Na impossibilidade de analisar aqui os ensaios de Luiz Nazario, Laymert Garcia dos Santos, Ricardo Timm de Souza ou Eduardo F. Coutinho, pode-se depreender deles que a resistência ao pós-modernismo como "filosofia portátil" de um "narcisismo militante" (expressões da psicanalista Maria Inês França) se deve a seu caráter anti-utópico.
O próprio prefixo "pós" remete à negatividade em relação ao modernismo, no qual as idéias vanguardistas de ruptura e revolução se sustentavam sobre um desejo de autodeterminação que faria do homem um senhor de seu destino (daí o investimento simbólico na figura do artista-soldado, sacerdote laico de um mundo sem deuses).
O refluxo das utopias políticas e científicas (as "grandes narrativas" descritas por Lyotard), uma modalidade de capitalismo que plasma toda experiência em objeto de consumo, e a proliferação das tecnologias desumanizadoras transformaram as vanguardas num receptáculo vazio. O hedonismo estético da "pop art" e o ilusionismo da indústria cultural seriam manifestações dessa esquizofrenia auto-referente, segundo veredicto de Jameson.
No entanto, o pós-modernismo conserva, em seus momentos mais iluminados, um sentido crítico que funciona como antídoto para as pretensões triunfalistas. Como mostra Ricardo Fabbrini, as apropriações que artistas como Regina Silveira e Barbara Kruger fazem (respectivamente) do "ready-made" de Duchamp e dos cartazes políticos dos futuristas russos evitam a "fetichização do moderno", inscrevendo a vanguarda em novas condições históricas, em que a falência da arte é a imagem em negativo da banalidade do real.


O Pós-Modernismo
    
Organização: J. Guinsburg e Ana Mae Barbosa
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 95 (712 págs.)



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