São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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CRÍTICA

"Cobras e Lagartos" desvela mundo dos ricos

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Talvez demore um tempo, mas nem a concorrência com a Record, nem o qüiproquó em torno do plágio devem atrapalhar "Cobras e Lagartos", a novela certa para recuperar o tempo perdido com "Bang Bang". Vai ser um sucesso: a trama é convencional no melhor sentido, mostrando a agilidade e a maturidade do autor na manipulação do melodrama; não há nenhuma aposta arriscada de elenco e capta com alguma argúcia alguns aspectos recentes da sociedade brasileira contemporânea.
Essa tem sido, com variações e inflexões aqui e ali, a receita da telenovela brasileira desde a década de 70 e que continua dando certo, vide "Belíssima". Mesmo que, nesses anos 00, a audiência venha indicando que também aprecia outras receitas vez por outra, quando se pega o jeito, a combinação é quase infalível. Sobretudo se a novela flagra uma tendência de comportamento, um grupo social, uma questão cultural contemporânea com uma certa precisão.
No caso de "Cobras e Lagartos", o mundo do alto consumo, do comércio de luxo, sempre entre o glamouroso e o caricato, ganhou uma versão meio deslumbrada, meio irônica. O centro da novela é a Luxus, paródia-espelho da Daslu, o templo e o símbolo dos muito ricos. Embora esse universo do privilégio goste da ostentação e tenha se tornado mais visível, valendo-se sobretudo da imprensa como vitrine, ele ainda carecia de representação ficcional -perto dos ricos da Luxus, os de novelas como as de Gilberto Braga e Silvio de Abreu parecem pertencer ao século passado. E, com a perversidade típica da (boa) novela, além de abrir as portas desse luxo ainda misterioso, "Cobras e Lagartos" o faz contrastando ponto por ponto, não com a pobreza de fato, mas com a sensação de falta, de privação de todos aqueles que aspiram chegar ao lugar da desigualdade.

Um parênteses: os eventuais acertos da novela não eximem seu autor e a Globo do fato de estarem tratando com uma certa arrogância as reclamações de plágio feitas por Walter Salles e Daniela Thomas.
O personagem Duda de "Cobras e Lagartos" seria em tudo semelhante a um personagem criado por Thomas e pelo roteirista George Moura para o filme "Linha de Passe", a ser dirigido por Salles. As coincidências já haviam sido percebidas antes da estréia da novela, em março, e a Globo fez algumas modificações. Depois da exibição do primeiro capítulo, entretanto, Salles e Thomas continuaram apontando plágio. Até o fechamento desta coluna, na quinta-feira, o impasse não havia sido resolvido.
As coincidências detectadas por Thomas e Salles são muitas e, se por um lado não comprometem toda a história, de outro recaem justamente num dos nós centrais do roteiro, ou seja, justamente na caracterização do mocinho e, portanto, poderiam ter sido tratadas com mais cuidado.


@ - biabramo.tv@uol.com.br



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