|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
"Cobras e Lagartos" desvela mundo dos ricos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Talvez demore um tempo,
mas nem a concorrência
com a Record, nem o qüiproquó
em torno do plágio devem atrapalhar "Cobras e Lagartos", a novela certa para recuperar o tempo perdido com "Bang Bang".
Vai ser um sucesso: a trama é
convencional no melhor sentido,
mostrando a agilidade e a maturidade do autor na manipulação
do melodrama; não há nenhuma
aposta arriscada de elenco e capta com alguma argúcia alguns aspectos recentes da sociedade brasileira contemporânea.
Essa tem sido, com variações e
inflexões aqui e ali, a receita da
telenovela brasileira desde a década de 70 e que continua dando
certo, vide "Belíssima". Mesmo
que, nesses anos 00, a audiência
venha indicando que também
aprecia outras receitas vez por
outra, quando se pega o jeito, a
combinação é quase infalível. Sobretudo se a novela flagra uma
tendência de comportamento,
um grupo social, uma questão
cultural contemporânea com
uma certa precisão.
No caso de "Cobras e Lagartos", o mundo do alto consumo,
do comércio de luxo, sempre entre o glamouroso e o caricato, ganhou uma versão meio deslumbrada, meio irônica. O centro da
novela é a Luxus, paródia-espelho da Daslu, o templo e o símbolo dos muito ricos. Embora esse
universo do privilégio goste da
ostentação e tenha se tornado
mais visível, valendo-se sobretudo da imprensa como vitrine, ele
ainda carecia de representação
ficcional -perto dos ricos da
Luxus, os de novelas como as de
Gilberto Braga e Silvio de Abreu
parecem pertencer ao século passado. E, com a perversidade típica da (boa) novela, além de abrir
as portas desse luxo ainda misterioso, "Cobras e Lagartos" o faz
contrastando ponto por ponto,
não com a pobreza de fato, mas
com a sensação de falta, de privação de todos aqueles que aspiram
chegar ao lugar da desigualdade.
Um parênteses: os eventuais
acertos da novela não eximem
seu autor e a Globo do fato de estarem tratando com uma certa
arrogância as reclamações de
plágio feitas por Walter Salles e
Daniela Thomas.
O personagem Duda de "Cobras e Lagartos" seria em tudo
semelhante a um personagem
criado por Thomas e pelo roteirista George Moura para o filme
"Linha de Passe", a ser dirigido
por Salles. As coincidências já
haviam sido percebidas antes da
estréia da novela, em março, e a
Globo fez algumas modificações.
Depois da exibição do primeiro
capítulo, entretanto, Salles e
Thomas continuaram apontando plágio. Até o fechamento desta coluna, na quinta-feira, o impasse não havia sido resolvido.
As coincidências detectadas
por Thomas e Salles são muitas e,
se por um lado não comprometem toda a história, de outro recaem justamente num dos nós
centrais do roteiro, ou seja, justamente na caracterização do mocinho e, portanto, poderiam ter
sido tratadas com mais cuidado.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
Texto Anterior: DVDs - Crítica/ "Lili Marlene": Fassbinder desvenda meandros da alma alemã sob o nazismo Próximo Texto: Novelas da semana Índice
|