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GUILHERME WISNIK
Outra vez feto
Le Corbusier tem suas impressões do Oriente feitas aos 23 anos publicadas em "A Viagem do Oriente"
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O TEMA é o luto. O narrador,
aprendiz no ateliê de Peter
Behrens, em Berlim, empreende uma viagem iniciática de
sete meses pela região dos Bálcãs,
Atenas e Istambul. Vai, é verdade,
em busca do sol, da claridade mediterrânea, da beleza perene, atemporal. Mas encontra, sem que isso seja
contraditório, uma civilização condenada à morte, repleta de túnicas
escuras e vetustas, cortejos fúnebres, e acostumada a ver suas cidades de madeira se incendiarem, como vê acontecer tragicamente em
Istambul. Era o ano do surto de cólera no Oriente, e ele acompanha mortos sendo transportados nas ruas,
com os rostos verdes cobertos de
moscas.
Mas não se trata apenas de mortes
físicas. É a grandeza trágica daquela
arquitetura e daquela paisagem que
lhe provocam um misto de adoração
e esmagamento, como o que sente
em relação ao Partenon depois dos
primeiros dias: "Já não gosto de ir
até lá. Quando olho de longe, é como
um cadáver. Acabou-se o enternecimento. É uma arte fatal da qual ninguém escapa. Glacial".
O autor do relato, então com 23
anos, é o jovem Charles-Edouard
Jeanneret, cujas anotações de viagem permaneceriam inéditas até
1965, ano em que Le Corbusier
(pseudônimo assumido mais tarde
por ele) resolveria publicá-las, menos de um mês antes de morrer afogado em Cap-Martin, no Mediterrâneo. Lançado agora em português,
"A Viagem do Oriente" (Cosacnaify,
216 págs., R$ 39) é, portanto, o primeiro e o último livro do arquiteto,
descrevendo um arco de vida que se
volta ao início quando chega ao final.
Jeanneret, em certo sentido, é o
anti-Le Corbusier, um jovem cuja
melancolia dubitativa está distante
dos manifestos imperativos, das palavras de ordem a apontar direções
de futuro. Na última página do livro,
já em um Ocidente dominado por
"estilos" duvidosos e afetados e nitidamente impactado por tudo o que
viveu naquela longa travessia existencial, ele se pergunta o seguinte:
"Por que nosso progresso é feio?".
Mas consente: "Tenho 20 anos e não
posso responder...". Conclusão que
deixa o relato belamente suspenso,
ecoando inquietações exclamadas
em passagens anteriores do livro,
como "não queremos morrer", ou
"retornaremos, sim, à saúde dessa
época", em referência ao respeito
dos turcos diante da "presença das
coisas".
Depois da Segunda Guerra, e sobretudo em suas últimas obras, Le
Corbusier abandonou a crença na
civilização maquinista e se voltou a
uma simbolização tida por alguns
como arcaizante. Renegava "dar a
viver no claro e aberto", como diz
em forma de queixa o poeta João
Cabral de Melo Neto, e fechava-se
na "capela útero, com confortos de
matriz, outra vez feto", em referência à capela de Ronchamp (1950). A
metáfora cai bem para o próprio arquiteto, que parecia reencontrar o
Oriente da sua juventude, fora da
pressão da modernização, da urgência do agora, do "espírito do tempo".
Para este último Jeanneret, vale o
aforismo turco saborosamente descrito pelo jovem 54 anos antes: "Onde não há casas, há túmulos. Assim, a
terra é sempre habitada".
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