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WOODY ALLEN
A vida é trágica
Cineasta expõe sua "visão sombria e pessimista" sobre a condição humana e conta que o assassinato é um ato dramático que o "interessa muitíssimo"
Aos 72, Woody Allen lança "O Sonho de Cassandra",
que estréia hoje no Brasil, reclamando de Hollywood,
da velhice, da crítica e até de seus filmes... Em entrevista a Bruno Lester, da International Feature
Agency, nega que seja um "intelectual": "Não me interesso por livros complicados". Allen comenta ainda o
lado trágico de "Cassandra", em que Ewan McGregor
e Colin Farrell vivem irmãos endividados que recebem proposta para cometer um crime.
(DA REDAÇÃO)
PERGUNTA - Do que trata "O Sonho
de Cassandra"?
WOODY ALLEN - É simplesmente
a história de alguns jovens muito simpáticos que se envolvem
numa situação trágica, em função de suas fraquezas e ambições. A intenção deles é boa.
Eles foram educados com decência, mas os acontecimentos
e seus próprios atos os conduzem a um final trágico.
PERGUNTA - Como "Crimes e Pecados", é sobre morte e culpa.
ALLEN - Sempre me interessei
pelo assassinato e pelo lado
sombrio do drama e da tragédia. O assassinato é uma das
ferramentas que dramaturgos
e cineastas vêm usando há séculos para elucidar o que querem mostrar, quer fossem tragédias gregas, Shakespeare ou,
mais adiante, os suicídios nas
peças de Arthur Miller. Tirar a
vida é um ato muito dramático
e que me interessa muitíssimo.
PERGUNTA - Fazia algum tempo
que você não criava um drama.
ALLEN - Acontece que meus
pontos fortes mais evidentes
sempre foram cômicos, mas eu
sempre quis ser um escritor
trágico -escritor de materiais
trágicos. Finalmente, agora que
estou ficando mais velho, estou
tendo a chance de fazê-lo.
PERGUNTA - Você disse uma vez
que a vida é "uma experiência bastante trágica".
ALLEN - Sempre senti que a vida
é uma confusão muito grande.
Tenho uma visão sombria e
pessimista da vida e da fé do homem, da condição humana.
Mas acho que há alguns oásis
extremamente divertidos no
meio dessa miragem. Há momentos de prazer e momentos
que são divertidos, mas, basicamente, a vida é trágica.
PERGUNTA - Por que você deixou
de fazer filmes nos EUA?
ALLEN - É mais fácil conseguir
financiamento na Europa. Me
dão mais liberdade, porque se
respeita o artista mais do que
nos EUA. Quando estúdios de
Hollywood financiam meus filmes, eles interferem muito. Na
Europa, me deixam fazer o que
eu quiser. Além disso, aqui eu
consigo fazer filmes a um custo
mais baixo, e eles não ficam parecendo filmes feitos com pequeno orçamento.
PERGUNTA - "O Sonho de Cassandra" foi recebido com frieza em Veneza, em setembro do ano passado.
Você lê as críticas de seus filmes?
ALLEN - Não o faço há 30 anos.
Elas não me ajudam. Também
nunca assisto a documentários
ou leio artigos a meu respeito,
porque representam imagens
de mim que não reconheço.
Não fiz nada de diferente em "O
Sonho de Cassandra" do que fiz
em outros filmes anteriores.
PERGUNTA - Todo ano há um novo
filme de Woody Allen. Como se explica você ser tão produtivo?
ALLEN - É o que faço e tenho
bastante tempo livre. Tenho
metade do ano sem nada para
fazer. Quando termino um filme, fico parado em meu apartamento, caminho pelas ruas, e
então tenho uma idéia e penso:
"Meu Deus, isso vai ser um outro "Cidadão Kane'!". Começo a
escrever e, em pouco tempo, estou com um roteiro. É claro
que, quando o resultado está
ali, não é nenhum "Kane".
PERGUNTA - Você já recebeu 21 indicações e três Oscars (roteiro e direção de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" e roteiro de "Hannah e Suas Irmãs"). O que está faltando? Você
pensa em se aposentar algum dia?
ALLEN - Enquanto puder continuar a fazer filmes, não vejo razão para não fazê-los. O que
mais deveria fazer? Gosto de
trabalhar. Sinto prazer em escrever, é meu hobby.
PERGUNTA - E sua saúde é boa.
ALLEN - Nunca estive no hospital; ainda sou ativo. Tenho bons
genes. Minha mãe chegou aos
98 anos; meu pai, aos 100. Mas
envelhecer é uma coisa terrível.
Minha vista já não é o que era,
perdi um pouco da audição, a
comida não tem o mesmo gosto. Não ganhei sabedoria nenhuma. Não há nada de bom
em envelhecer. Você simplesmente deteriora e morre.
PERGUNTA - É mais fácil escrever
comédias do que dramas?
ALLEN - Sei mais sobre a comédia, então ela parece vir à tona a
todo momento. É claro que
quem escreve comédia pensa
que a verdadeira essência do
mundo está nas mãos dos escritores de dramas sérios. E não
há nada que os autores de dramas sérios gostariam mais do
que escrever comédias.
PERGUNTA - Por que você não anda
atuando tanto quanto antes?
ALLEN - Eu atuo apenas quando
acho que sou a pessoa perfeita
para o papel. Não sou realmente um ator. Sou muito, muito limitado. Sou capaz de dizer falas
espirituosas curtas, e isso é divertido. Consigo representar o
tipo de personagem nova-iorquino neurótico que se assemelha ao que sou na vida real.
PERGUNTA - Quando passa algum
tempo sem atuar, sente falta disso?
ALLEN - Não. Não me chatearia
se eu nunca mais voltasse a
atuar. Não ligo. Acho difícil avaliar minha própria performance quando estou na sala de edição. Quase sempre me odeio. É tão constrangedor ver sua imagem na tela grande, agindo como uma pessoa tola. Então, minha tendência é jogar fora muitas coisas que faço, enquanto
outras pessoas dizem: "Oh, não
tire isso do filme, isso é engraçado". Então, o que você vê na
tela -acredite se quiser- é a
destilação do que eu consegui
fazer de melhor. Portanto, você
pode imaginar o que vai parar
na máquina de picar papel!
PERGUNTA - Por que você não deixa
seus atores lerem o roteiro inteiro?
ALLEN - Constatei que, se eles
não sabem o que está acontecendo, não representam o resultado de suas ações. Eles não
atuam sabendo para onde vai o
roteiro -atuam de maneira
muito espontânea, porque não
têm certeza do que está acontecendo. E, de fato, os personagens não devem saber o que está acontecendo.
PERGUNTA - Você é conhecido por
não dar muita direção.
ALLEN - Não gosto de sobrecarregar atores com muita conversa, análise e direção. Contrato
as melhores pessoas, e então
saio do caminho delas. Dou liberdade enorme aos atores.
PERGUNTA - "Vicky Cristina..." é estrelado por Scarlett Johansson. É o
terceiro filme que fazem juntos. O
que há de especial nela?
ALLEN - Ela tem tudo: é linda,
sexy, inteligente, divertida, espirituosa e boa para se trabalhar. Gosto de tudo nela. Se ela
mantiver a cabeça no lugar nesse campo de trabalho maluco, o
futuro será dela.
PERGUNTA - Como você se sente
com a história de ela ser descrita como sua musa?
ALLEN - Fico grato quando a
chamam de minha musa, mas
não é verdade. Com Diane Keaton, foi diferente. Fizemos oito
ou nove filmes e tínhamos uma
ligação especial. Mas gosto de
trabalhar com Scarlett.
PERGUNTA - Você fica nervoso durante as filmagens?
ALLEN - Nunca fico nervoso
quando estou escrevendo ou
dirigindo, mas o pânico se instala no momento da montagem, quando você vê tudo o que
fez. É um banho de água fria.
PERGUNTA - Você não costuma ficar satisfeito com os resultados?
ALLEN - Não. Quando está filmando, você sempre pensa que
está fazendo história, e, quando
termina, você diz: "Meu Deus, o
que eu fiz?". Sempre pensei que
tenho um pouco de talento e
muita sorte.
PERGUNTA - De quais filmes seus
você se orgulha mais?
ALLEN - Tenho três dos 39 filmes que fiz: "Match Point", "A
Rosa Púrpura do Cairo" e "Maridos e Esposas". Todos os outros, eu gostaria de refazer.
PERGUNTA - Alguma vez você já ficou tão decepcionado com um filme
que não queria que estreasse?
ALLEN - Fiquei muito decepcionado com "Manhattan". Prometi ao estúdio que, se não o
lançasse, eu faria o filme seguinte de graça. Mas o estúdio
se recusou, e o filme teve bom
desempenho. Com "Setembro", foi o mesmo. Disse ao estúdio que queria refilmar tudo.
PERGUNTA - Você é admirado por
outros cineastas. Você enxerga a
sua influência no trabalho deles?
ALLEN - Nunca senti que influenciei ninguém. Não quero
que isso soe como falsa modéstia, mas sempre pude sentir a
influência de meus contemporâneos -Martin Scorsese,
Francis Ford Coppola, Robert
Altman, Steven Spielberg- e
nunca vi minha influência sobre ninguém.
PERGUNTA - Quem o inspirou mais?
ALLEN - Provavelmente os comediantes Groucho Marx e
Bob Hope.
Tradução de CLARA ALLAIN
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