São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2008

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Crítica/"Zona de Crime"

Filme oferece leitura incômoda sobre desigualdades sociais

Drama de Rodrigo Plá passado em condomínio expõe "apartheid" no México

Divulgação
Alan Chávez em cena do filme "Zona de Crime', que estréia hoje

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Como a tradução literal do título em espanhol ("La Zona") teria sentido ambíguo em português, a distribuidora brasileira optou por batizar o primeiro longa-metragem do mexicano Rodrigo Plá com um nome típico de filme policial B em que bandidos e mocinhos se enfrentam: "Zona do Crime".
É mais complexa, no entanto, a situação de que trata o argumento. "A Zona" é o nome dado a um condomínio de luxo na Cidade do México. Muros altos o separam da vizinhança pobre.
A vigilância funciona 24 horas, e a portaria lembra os rigores de uma penitenciária.
Dentro, uma réplica das ruas de subúrbios americanos que aparecem no cinema e na TV.
Até aí, no México ou no Brasil, nada que já não se conheça. A novidade é que os moradores da Zona conseguiram uma liminar que proíbe a polícia de entrar ali. Eles não precisam disso: têm sua própria milícia.
Em uma noite de chuva, um acidente cria condições para que três jovens da vizinhança entrem no condomínio. A desajeitada tentativa de roubo se transforma em assassinato, seguido de mais mortes. E agora? Crise de nervos, que Plá (cujo novo filme, "Desierto Adentro", estará na Semana da Crítica do Festival de Cannes) explora com sóbria objetividade.
De um lado, a artificialidade do condomínio explode de modo incontrolável, dividindo os moradores entre os que apóiam o "apartheid" (a maioria) e os que, um pouco mais ponderados, consideram que, ao menos em situações extremas como aquela, é de bom tom obedecer à legislação que vigora no país.
Um jovem (Daniel Tovar) condensa o drama: enquanto seu pai (Daniel Giménez Cacho, o padre Manolo do filme "Má Educação") se envolve diretamente no acobertamento dos crimes e negocia com a polícia um modo de mantê-la afastada, ele é mais sensível ao que ocorre ali.
Os policiais, por sua vez, têm seus motivos para gostar do episódio. Pressionados por denúncias, procuram intervir no condomínio. As verdadeiras razões, entretanto, não parecem exatamente nobres, e ajudam a entender, na lógica da história, por que a tal liminar foi solicitada e concedida.
Há uma terceira parte envolvida na arquitetura da história: os moradores do entorno. Na tragédia que se anuncia desde o início, eles já se configuram como a parte mais fraca da equação; o espectador sabe como histórias assim terminam, por experiência de vida ou mesmo de cinema.

Caminhos
As piores expectativas sobre o desenlace não correspondem, contudo, ao que Plá e sua co-roteirista Laura Santullo armam.
Ser pobre, em uma sociedade desigual como a do filme, equivale a ter cidadania de segunda categoria. Um dos pontos fortes de "Zona do Crime" reside em oferecer essa leitura sociopolítica, pesada e incômoda, sem que ninguém precise subir em palanque para defendê-la.
Assim como não é um filme de condenações fáceis, ele também foge ao populismo de apontar caminhos a partir da identificação de "culpados". No fim das contas, o título "A Zona", inclusive por causa do duplo sentido, teria caído bem.


ZONA DO CRIME
Produção:
Espanha/México, 2007
Direção: Rodrigo Plá
Com: Daniel Giménez Cacho, Maribel Verdú, Alan Chávez e Daniel Tovar
Onde: estréia hoje nos cines TAM, Espaço Unibanco e circuito
Avaliação: bom


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