São Paulo, sábado, 30 de abril de 2011

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Filha aos 18

Quando estava prestes a entrar na faculdade, Delilah Jeary descobriu que era fruto de um caso da mãe, que se matou quando ela era pequena, com o escritor Martin Amis ; hoje, ela tem um site sobre maternidade

Sarah Lee/Guardian News & Media
Delilah Jeary com sua filha Eleanor

HARRIET SWAIN
DO "GUARDIAN"

Delilah Jeary tem uma teoria em relação à rivalidade entre irmãos. A teoria, na realidade, não é dela, mas de seu marido, Matthew. Assistente social, ele diz que, se você disser repetidamente a um garotinho de dois ou três anos que ele é um irmão mais velho maravilhoso, ele se esforçará para cumprir o papel.
"O importante é a narrativa que você conta a eles", diz Jeary. Sua própria narrativa familiar tem sido um pouco mais complexa. Quando ela tinha dois anos e seu irmão Orlando, três, a mãe deles, Lamorna Heath, se enforcou.
Escritora, Heath sofria de depressão havia anos. Seu marido, o escritor Patrick Seale, criou as duas crianças sozinho, apesar de ter ficado sabendo que não era o pai de Jeary meses após o nascimento dela: ela era fruto de um relacionamento que Heath tivera com o romancista Martin Amis quando eles estavam separados.
Amis sabia. Como escreveu em sua autobiografia, "Experience", Heath contara a ele sobre Jeary e lhe dera uma foto dela. Ele a mostrou à mãe, que o aconselhou a não fazer nada, e ninguém mais falou sobre o assunto por mais 16 anos. Até que Seale resolveu contar a verdade a Jeary antes de ela começar a faculdade.
Levou algum tempo para Jeary compreender que amar a nova família não significaria deixar de amar a outra, mas modificar sua visão de família. "Você se sente órfã." Ela não se recorda da mãe.
Diz que, quando chegou à casa dos 20 e à idade que a mãe tinha quando morreu, tornou-se mais importante descobrir como Heath foi de fato. "Você pode ver alguém como essa pessoa triste, trágica. E era importante para mim devolver a ela sua história, permitir que fosse uma pessoa, e não uma vítima de suicídio."
Com a filha Eleanor, de 15 semanas de idade, nos braços, e Isaac, 2, na creche, é seu próprio papel de mãe que agora ocupa a maior parte da atenção de Jeary. Tanto que ela ajudou a desenvolver um site para mães, o iMama.tv, centro de informações sobre maternidade com mais vídeos que textos.

FALTAS
Seale acabou por se casar outra vez -com a escritora Rana Kabbani- quando Jeary tinha dez anos. Naquela época, ela e seu irmão estudavam em um internato. Mas, até aquele momento, ele os havia criado sozinho.
Olhando em retrospectiva, ela sente que algo faltou. "Sempre achei que era aquela coisa de ter uma pessoa cuja cabeça fosse focada em você, alguém para quem você é prioridade. Aquele feixe de atenção total."
Ela preencheu esse vazio com amigos, muitos com mães ausentes. As amigas têm sido suas figuras maternas, portanto, caso de Isabel Fonseca, mulher de Amis. Jeary sente-se tão próxima dela quanto é de sua sogra.
E há seu irmão, Orlando, ator e músico, com quem dividiu um apartamento por 17 anos, desde que tinha 16.
"Ele também era como uma mãe para mim", diz Jeary. Por essa razão foi mais difícil quando eles descobriram que não eram irmãos, mas irmãos postiços, e que apenas um deles tinha uma relação consanguínea com o homem que os criara.
Ela nunca tinha suspeitado, nem por um instante. Nem mesmo na adolescência ela sentira qualquer distanciamento. "Eu imaginava que minha mãe não estivesse morta -esse tipo de coisa.
Mas não que eu talvez fosse de uma família diferente." Seis meses após a revelação, ela finalmente conheceu Amis. Ele estava nos EUA, e ela tinha tido a oportunidade de ler alguns de seus escritos.
"Sabia que havia um Kingsley Amis. Sabia que havia um Martin Amis. Eu tinha lido "The Rachel Papers". Ele era um escritor, simplesmente, e eu tinha 18 anos. Não tinha consciência real da sociedade, do que as pessoas dizem e todo esse tipo de coisa."
Conhecer Amis -ela o chama de "Martin" ou "meu pai", enquanto Seale é "papai"- foi "algo que me deixou muito nervosa, mas que também foi maravilhoso, aquela coisa de conhecer alguém que lhe é instantaneamente familiar em um nível muito profundo, e isso é muito reconfortante".
Havia também a semelhança física entre eles. Nunca tendo se parecido com qualquer um de seus irmãos quando era criança, Delilah ainda se emociona quando está com Amis e os quatro filhos deles, porque todos são muito parecidos.

HISTÓRIAS ESDRÚXULAS
Ao se juntar ao clã Amis, contudo, ela também tornou-se um capítulo em uma história confusa de ex-mulheres e amantes, filhos nascidos fora do casamento, alcoolismo -tanto seu avô, Kingsley, quanto sua tia Sally bebiam muito-, declarações provocantes sobre mulheres e sexo, todas as quais foram extensamente documentadas não apenas por jornalistas e biógrafos, mas também pelos próprios Amis.
Jeary não é escritora, excetuando os relatos envolvidos em dez anos passados trabalhando na televisão. Ela faz pouco caso das histórias mais esdrúxulas associadas ao lado Amis: "Eles são apenas uma família, não mais".
Ela se encontra regularmente com seus sete irmãos -Orlando, os quatro filhos de Amis com as duas esposas dele, Louis, Jacob, Fernanda e Clio, e os dois filhos que Seale teve com Kabbani, Alexander e Jasmine. E se mantém em contato estreito com seus dois pais.
Mas o foco principal de sua atenção está voltado à sua própria pequena família e à felicidade que ela encontrou na maternidade. "Talvez por eu não ter tido uma mãe, tornar-me mãe tenha sido uma realização enorme."

Tradução de CLARA ALLAIN


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