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BIENAL RJ/SALÃO SP
Helder Macedo mostra o Portugal pós-revolução em "Pedro e Paula"
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio
Helder Macedo, 64, fez uma opção em sua vida: ser um escritor
português. O país onde nasceu -e
viveu por poucos anos- é presença fundamental em seus dois romances.
Seja em "Partes d'África" (1991,
inédito no Brasil) ou em "Pedro e
Paula" (1997, lançado agora no
Brasil pela editora Record), o fio
condutor da trama é a história recente de Portugal.
Em "Partes d'África" surge o
Portugal colonialista; em "Pedro e
Paula", o país que se liberta da ditadura salazarista com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de
1974. Nos dois, Macedo mostra
uma outra face dos portugueses.
"Os portugueses têm o hábito de
falar de seus brandos costumes.
Quais brandos? É uma raça muito
violenta. Basta pensar que o Brasil
colonial, que foi feito pelos portugueses, foi baseado na escravatura", disse o escritor.
Professor titular de literatura
portuguesa no King's College, de
Londres, cidade onde mora desde
o início dos anos 60, Macedo é autor de vários ensaios sobre literatura e de poesias.
No Rio, para lançar "Pedro e
Paula" na 9ª Bienal, Macedo conta
que escrever sobre o país onde
pouco viveu -passou a infância
em Moçambique, a juventude em
Lisboa e se auto-exilou em Londres por causa da ditadura salazarista- foi a forma encontrada para se manter ligado à sua cultura.
"Poderia escrever em inglês. Tenho muitos confrades literários em
Londres, que me pedem para escrever em inglês, mas não consigo", disse.
Leia abaixo trechos da entrevista
de Helder Macedo à Folha.
Folha - Ao criar Paula, a personagem principal de "Pedro e Paula",
o senhor demonstra uma grande
sensibilidade para escrever e entender a alma feminina. Como a
personagem surgiu?
Helder Macedo - Há dois tipos de
homens: os que gostam de mulher,
o que é uma forma de neutralização, e os que gostam das mulheres.
Estou no segundo caso. Sempre
houve de minha parte, mesmo na
minha poesia, o desejo de entender
a perspectiva da amada. A invenção da personagem Paula foi uma
tentativa de entender uma personagem feminina. Acho que funcionou porque várias mulheres têm
vindo falar comigo: "Eu sou Paula". E os homens ficam enlouquecidos, em desespero sexual, a perguntar se ela existe mesmo e onde é
que eu a escondo.
Folha - E Paula existe? Ela foi inspirada em uma ou em várias mulheres?
Macedo - A Paula emerge para
mim representando um dos aspectos mais interessantes, potentes e
revolucionários da inconsequência do 25 de abril, que é o aparecimento de um novo tipo de mulher:
mulheres livres, que assumem sua
sexualidade, que têm vida profissional e que não deixam de ser mulheres por isso. Elas têm uma existência real, tão igual que nem é necessário dizê-lo.
Folha - O senhor fala muito sobre
a mudança do comportamento das
mulheres portuguesas pós-revolução. E, com os homens, o que aconteceu?
Macedo - Eu quis representar nos
dois irmãos, nos gêmeos diferentes
e antagônicos, dois princípios fundamentais. Um, o da aceitação, da
aquiescência, o princípio conservador, da pactuação, da autoridade. Oposto a isso, há o princípio do
desassossego, da inquietação, da
provocação, que está representado
em Paula. Há nisso, é claro, um
gesto de homenagem ao mestre
Machado de Assis, a "Esaú e Jacó",
aos irmãos gêmeos Pedro e Paulo.
Folha - Sua vida tem muitas semelhanças com passagens de "Pedro e Paula": a ida ainda criança
para uma colônia na África, a faculdade de direito, o exílio em Londres, o trabalho na BBC e a volta
após a revolução, por exemplo. O
que há de biográfico no romance?
Macedo - Nada. Ele é baseado em
experiências de alguma forma
equivalentes, mas os meus pais
eram bem diferentes dos de Pedro
e Paula. Gabriel não sou eu. Ele trabalhava na BBC, eu também trabalhei lá. Mas ele era rico, e eu não
sou. E nunca encontrei uma Paula.
Também vivi um momento de celebração da sexualidade adulta e da
maturidade. Porque, ao final da vida, a sexualidade de mulheres não
diminui. É espantoso que aquilo
que Balzac descrevia como a "femme de 30 ans" agora se aplica à mulher de 50. Há agora o grande milagre de que a sexualidade não acaba
com a menopausa. Ao mesmo
tempo, o personagem de Gabriel
assume uma sexualidade que é iniciada por Paula. Ela é quem desencadeia todo esse movimento.
Folha - Há muitas diferenças em
sua escrita entre "Partes d'África" e
"Pedro e Paula", romances separados por sete anos? E a responsabilidade do segundo romance, depois de um primeiro tão bem recebido pela crítica?
Macedo - Você está a tocar na
área que mais me inquieta. Escrevi
"Partes d'África" com uma disponibilidade de adolescente, que não
tinha nada a ganhar, nada a perder.
Agora há uma expectativa real, sobre quando o próximo estará
pronto.
Eu quero separar sempre o ato de
escrever, uma atividade solitária,
inocente, em que estamos lidando
com uma página em branco, inventando mundos, do ato de gerir
o aspecto social, profissional do
sucesso da escrita ou da imagem
do escritor. Quando escrevo, estou
totalmente inocente.
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