São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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BIENAL RJ/SALÃO SP
Helder Macedo mostra o Portugal pós-revolução em "Pedro e Paula"

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Helder Macedo, 64, fez uma opção em sua vida: ser um escritor português. O país onde nasceu -e viveu por poucos anos- é presença fundamental em seus dois romances.
Seja em "Partes d'África" (1991, inédito no Brasil) ou em "Pedro e Paula" (1997, lançado agora no Brasil pela editora Record), o fio condutor da trama é a história recente de Portugal.
Em "Partes d'África" surge o Portugal colonialista; em "Pedro e Paula", o país que se liberta da ditadura salazarista com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. Nos dois, Macedo mostra uma outra face dos portugueses.
"Os portugueses têm o hábito de falar de seus brandos costumes. Quais brandos? É uma raça muito violenta. Basta pensar que o Brasil colonial, que foi feito pelos portugueses, foi baseado na escravatura", disse o escritor.
Professor titular de literatura portuguesa no King's College, de Londres, cidade onde mora desde o início dos anos 60, Macedo é autor de vários ensaios sobre literatura e de poesias.
No Rio, para lançar "Pedro e Paula" na 9ª Bienal, Macedo conta que escrever sobre o país onde pouco viveu -passou a infância em Moçambique, a juventude em Lisboa e se auto-exilou em Londres por causa da ditadura salazarista- foi a forma encontrada para se manter ligado à sua cultura.
"Poderia escrever em inglês. Tenho muitos confrades literários em Londres, que me pedem para escrever em inglês, mas não consigo", disse.
Leia abaixo trechos da entrevista de Helder Macedo à Folha.

Folha - Ao criar Paula, a personagem principal de "Pedro e Paula", o senhor demonstra uma grande sensibilidade para escrever e entender a alma feminina. Como a personagem surgiu?
Helder Macedo -
Há dois tipos de homens: os que gostam de mulher, o que é uma forma de neutralização, e os que gostam das mulheres. Estou no segundo caso. Sempre houve de minha parte, mesmo na minha poesia, o desejo de entender a perspectiva da amada. A invenção da personagem Paula foi uma tentativa de entender uma personagem feminina. Acho que funcionou porque várias mulheres têm vindo falar comigo: "Eu sou Paula". E os homens ficam enlouquecidos, em desespero sexual, a perguntar se ela existe mesmo e onde é que eu a escondo.
Folha - E Paula existe? Ela foi inspirada em uma ou em várias mulheres?
Macedo -
A Paula emerge para mim representando um dos aspectos mais interessantes, potentes e revolucionários da inconsequência do 25 de abril, que é o aparecimento de um novo tipo de mulher: mulheres livres, que assumem sua sexualidade, que têm vida profissional e que não deixam de ser mulheres por isso. Elas têm uma existência real, tão igual que nem é necessário dizê-lo.
Folha - O senhor fala muito sobre a mudança do comportamento das mulheres portuguesas pós-revolução. E, com os homens, o que aconteceu?
Macedo -
Eu quis representar nos dois irmãos, nos gêmeos diferentes e antagônicos, dois princípios fundamentais. Um, o da aceitação, da aquiescência, o princípio conservador, da pactuação, da autoridade. Oposto a isso, há o princípio do desassossego, da inquietação, da provocação, que está representado em Paula. Há nisso, é claro, um gesto de homenagem ao mestre Machado de Assis, a "Esaú e Jacó", aos irmãos gêmeos Pedro e Paulo.
Folha - Sua vida tem muitas semelhanças com passagens de "Pedro e Paula": a ida ainda criança para uma colônia na África, a faculdade de direito, o exílio em Londres, o trabalho na BBC e a volta após a revolução, por exemplo. O que há de biográfico no romance?
Macedo -
Nada. Ele é baseado em experiências de alguma forma equivalentes, mas os meus pais eram bem diferentes dos de Pedro e Paula. Gabriel não sou eu. Ele trabalhava na BBC, eu também trabalhei lá. Mas ele era rico, e eu não sou. E nunca encontrei uma Paula. Também vivi um momento de celebração da sexualidade adulta e da maturidade. Porque, ao final da vida, a sexualidade de mulheres não diminui. É espantoso que aquilo que Balzac descrevia como a "femme de 30 ans" agora se aplica à mulher de 50. Há agora o grande milagre de que a sexualidade não acaba com a menopausa. Ao mesmo tempo, o personagem de Gabriel assume uma sexualidade que é iniciada por Paula. Ela é quem desencadeia todo esse movimento.
Folha - Há muitas diferenças em sua escrita entre "Partes d'África" e "Pedro e Paula", romances separados por sete anos? E a responsabilidade do segundo romance, depois de um primeiro tão bem recebido pela crítica?
Macedo -
Você está a tocar na área que mais me inquieta. Escrevi "Partes d'África" com uma disponibilidade de adolescente, que não tinha nada a ganhar, nada a perder. Agora há uma expectativa real, sobre quando o próximo estará pronto.
Eu quero separar sempre o ato de escrever, uma atividade solitária, inocente, em que estamos lidando com uma página em branco, inventando mundos, do ato de gerir o aspecto social, profissional do sucesso da escrita ou da imagem do escritor. Quando escrevo, estou totalmente inocente.


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