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"A FORTUNA DE NED"
O conformismo como projeto de vida
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Todo filme britânico começa (e
geralmente termina) por um elenco de arromba. "A Fortuna de
Ned" não escapa a essa regra, a começar pela presença notável de
seus dois heróis, Jackie (Ian Bannen) e Michael (David Kelly).
Mas o restante da trupe não destoa, na fábula sobre esses dois amigos que descobrem que o vencedor
da loteria (tipo loto ou sena) britânica era um dos 52 habitantes da
aldeia de Tully More.
Não tendo sido nenhum dos
dois, põem-se a descobrir quem teria sido o felizardo, a fim de agradá-lo e tentar abocanhar uma parte da fortuna.
Algumas tentativas depois, ambos descobrem que o ganhador,
Ned, havia morrido fulminado,
diante da TV, ao saber que o prêmio -a que concorria desde priscas eras- era seu.
As decorrências são quase previsíveis: a necessidade de trapacear
para engambelar o fiscal da loteria,
de envolver todo o vilarejo (em
troca de dinheiro, naturalmente)
na trama etc.
São elas que garantem o tom humorístico de "A Fortuna de Ned",
embora não consigam dissipar o
frio e a pequenez da distante ilha
de Man, no mar da Irlanda, onde se
passa a ação.
Acima de tudo, "A Fortuna" é
uma fábula sobre a ambição. Isto é,
a favor da ambição, o que se depreende menos do enredo do que
da observação de Tully More sem o
prêmio: trata-se de uma espécie de
câmara mortuária, onde 52 pessoas dedicam-se exclusivamente a
sobreviver e beber (não necessariamente nessa ordem).
Temos, então, uma comédia nos
antípodas de "Ou Tudo ou Nada",
em que um grupo de desempregados decide montar um espetáculo
de striptease masculino para ganhar a vida.
Não há desemprego. O único
conflito diz respeito à bela do local,
Annie (Fionnula Flanagan), apaixonada por um criador de porcos,
mas que não consegue colocar seu
amor acima do ódio que sente pelo
cheiro de porcos.
Ou seja, é tudo muito ralo neste
filme escrito e dirigido por Kirk Jones. Ou tudo seria, caso não existisse aí uma espécie de postulação
neoliberal (para não dizer darwinista), que consiste em enaltecer
todo ato, lícito ou ilícito, que leve
ao enriquecimento.
É possível aceitar a idéia de que o
dinheiro traz vida a Tully More, ou
de que possuir dinheiro é algo saudável, ainda mais se esse dinheiro
surge de forma mágica.
É menos interessante constatar
que a posse e acumulação de dinheiro sejam o princípio e o fim
das coisas. Em todo caso, não se
pode dizer que "A Fortuna de
Ned" esteja em descompasso com
a ordem das coisas -o conformismo é, aqui, uma espécie de projeto
de vida.
Avaliação:
Filme: A Fortuna de Ned
Produção: Irlanda, 1998
Direção: Kirk Jones
Com: Ian Bannen, David Kelly, Fionnula
Flanagan, Susan Lynch, James Nesbitt,
Maura O" Malley
Quando: a partir de hoje, nos cines Eldorado
3, Gazetinha, Center Norte 2, Olido 1, SP
Market 1 e circuito
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