São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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"A FORTUNA DE NED"
O conformismo como projeto de vida

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Todo filme britânico começa (e geralmente termina) por um elenco de arromba. "A Fortuna de Ned" não escapa a essa regra, a começar pela presença notável de seus dois heróis, Jackie (Ian Bannen) e Michael (David Kelly).
Mas o restante da trupe não destoa, na fábula sobre esses dois amigos que descobrem que o vencedor da loteria (tipo loto ou sena) britânica era um dos 52 habitantes da aldeia de Tully More.
Não tendo sido nenhum dos dois, põem-se a descobrir quem teria sido o felizardo, a fim de agradá-lo e tentar abocanhar uma parte da fortuna.
Algumas tentativas depois, ambos descobrem que o ganhador, Ned, havia morrido fulminado, diante da TV, ao saber que o prêmio -a que concorria desde priscas eras- era seu.
As decorrências são quase previsíveis: a necessidade de trapacear para engambelar o fiscal da loteria, de envolver todo o vilarejo (em troca de dinheiro, naturalmente) na trama etc.
São elas que garantem o tom humorístico de "A Fortuna de Ned", embora não consigam dissipar o frio e a pequenez da distante ilha de Man, no mar da Irlanda, onde se passa a ação.
Acima de tudo, "A Fortuna" é uma fábula sobre a ambição. Isto é, a favor da ambição, o que se depreende menos do enredo do que da observação de Tully More sem o prêmio: trata-se de uma espécie de câmara mortuária, onde 52 pessoas dedicam-se exclusivamente a sobreviver e beber (não necessariamente nessa ordem).
Temos, então, uma comédia nos antípodas de "Ou Tudo ou Nada", em que um grupo de desempregados decide montar um espetáculo de striptease masculino para ganhar a vida.
Não há desemprego. O único conflito diz respeito à bela do local, Annie (Fionnula Flanagan), apaixonada por um criador de porcos, mas que não consegue colocar seu amor acima do ódio que sente pelo cheiro de porcos.
Ou seja, é tudo muito ralo neste filme escrito e dirigido por Kirk Jones. Ou tudo seria, caso não existisse aí uma espécie de postulação neoliberal (para não dizer darwinista), que consiste em enaltecer todo ato, lícito ou ilícito, que leve ao enriquecimento.
É possível aceitar a idéia de que o dinheiro traz vida a Tully More, ou de que possuir dinheiro é algo saudável, ainda mais se esse dinheiro surge de forma mágica.
É menos interessante constatar que a posse e acumulação de dinheiro sejam o princípio e o fim das coisas. Em todo caso, não se pode dizer que "A Fortuna de Ned" esteja em descompasso com a ordem das coisas -o conformismo é, aqui, uma espécie de projeto de vida.


Avaliação:


Filme: A Fortuna de Ned

Produção: Irlanda, 1998 Direção: Kirk Jones Com: Ian Bannen, David Kelly, Fionnula Flanagan, Susan Lynch, James Nesbitt, Maura O" Malley Quando: a partir de hoje, nos cines Eldorado 3, Gazetinha, Center Norte 2, Olido 1, SP Market 1 e circuito



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