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CINEMA - "UM COPO DE CÓLERA"
Paixão e razão se misturam, diz diretor
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Um dos grandes livros brasileiros de nosso tempo, a novela "Um
Copo de Cólera", de Raduan Nassar, virou filme e estréia hoje em
São Paulo e no Rio.
É o longa-metragem de estréia de
Aluizio Abranches, 39, e narra um
dia de amor e ódio entre dois
amantes: um intelectual que se isolou em seu sítio (Alexandre Borges) e uma jornalista atuante e desbocada (Julia Lemmertz).
"Um Copo de Cólera" foi exibido
fora de competição no último Festival de Berlim e recebeu críticas
elogiosas. Participará ainda de
uma dezena de festivais internacionais, entre eles os de Chicago,
Toronto, Havana, Amiens (França) e Galway (Irlanda).
Folha - Por que você quis filmar
"Um Copo de Cólera", um livro de
20 anos atrás e aparentemente infilmável?
Aluizio Abranches - O que mais
me interessou nele foi a discussão
da convivência com as diferenças.
Quer dizer: como um casal pode
ter uma atração tão grande e, ao
mesmo tempo, ter idéias tão diferentes? Escolhi a linha da paixão
para fazer a minha leitura. Além
disso, gosto de filmes de casal.
Vi umas 18 vezes, na adolescência, "O Clamor do Sexo", do Elia
Kazan. Chorava em todas elas. O
que mais me angustiava era o Warren Beatty e a Natalie Wood não terem consumado o amor físico.
Tantos anos depois, é como se eu
tivesse feito a Julia e o Alexandre
consumarem aquele amor (risos).
Folha - Qual é, resumidamente, a
sua interpretação do livro?
Abranches - Vou dizer uma coisa
meio boba, romântica: acho que é
aquela conclusão de que "o amor é
a única razão da vida".
Para mim, o livro tem uma divisão marcada por três frases: "Não é
para tanto, mocinho que usa a razão", "Só usa a razão quem nela incorpora suas paixões" e "O amor é
a única razão da vida".
Acho que Raduan quis, ao contrário de Platão, mostrar que essas
duas coisas -paixão e razão-
não podem ser dissociadas.
Folha - Foram seis semanas de
ensaio para três semanas de filmagem. Houve espaço para improvisação no set?
Abranches - Claro. Você põe a câmera na frente, muda tudo. Mesmo porque eu ensaiei com os atores, mas não ensaiei com o diretor
de fotografia, Pedro Farkas, e a
maioria das coisas a gente filmou
com câmera na mão. Filmamos em
16 mm justamente para ter essa
maior mobilidade de câmera.
Mas a concepção básica do filme
não mudou, durante as filmagens.
Folha - Como você chegou a essa
forma narrativa híbrida, com voz
em "off" às vezes, e em outras o
ator falando direto para a câmera?
Abranches - Essa questão dos depoimentos eu pensei muito. Havia
várias coisas. Uma: como não perder os pensamentos dele? A segunda era a idéia de fazer aqueles comentários contribuírem para o
avanço da narrativa. Por isso, eles
sempre começam comentando o
que aconteceu e antecipando um
pouco o que vem depois.
Acho também que o próprio personagem, ao comentar a ação
olhando para a câmera, afasta um
pouco o espectador da tensão da
cena, dá um respiro, um alívio. E,
ao mesmo tempo, torna mais compreensível o que se passa. Além de
tudo, eu gosto, esteticamente, dessa solução.
Folha - O que foi mais difícil filmar: as cenas de sexo ou os longos
diálogos ininterruptos?
Abranches - As cenas de sexo tiveram mais solenidade. Esvaziamos o set, teve um clima respeitoso, quase sagrado. Fez-se naturalmente um silêncio no set, quase
como se fosse uma cerimônia que
estivesse sendo realizada.
Foram três dias solenes. Quando
filmamos a cena do colar, acabei
aos prantos. Eu me comovi muito.
Folha - Como foi feita, tecnicamente, aquela projeção de imagens sobre o vestido que o protagonista segura, na cama?
Abranches - Antes de falar da técnica, eu gostaria de dizer que procurei dar um significado a todas as
imagens, para respeitar o texto,
que é muito preciso na escolha das
palavras e seu sentido.
O vestido foi muito pensado. A
Julia experimentou oito vestidos
diferentes, até a gente chegar à cor
exata, que remetia à terra, a alguma coisa primal, ao sexo.
Ao mesmo tempo, o pano ia servir de veículo para a lembrança dele. Aí entra a técnica. Filmamos antes a transa deles em pé, ela com as
pernas em torno dos quadris dele,
mandamos para o laboratório para
revelar e num dos últimos dias de
filmagem a gente projetou aquela
imagem num espelho e do espelho
ela refletia para o pano.
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