São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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CINEMA - "UM COPO DE CÓLERA"
Paixão e razão se misturam, diz diretor

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Um dos grandes livros brasileiros de nosso tempo, a novela "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, virou filme e estréia hoje em São Paulo e no Rio.
É o longa-metragem de estréia de Aluizio Abranches, 39, e narra um dia de amor e ódio entre dois amantes: um intelectual que se isolou em seu sítio (Alexandre Borges) e uma jornalista atuante e desbocada (Julia Lemmertz).
"Um Copo de Cólera" foi exibido fora de competição no último Festival de Berlim e recebeu críticas elogiosas. Participará ainda de uma dezena de festivais internacionais, entre eles os de Chicago, Toronto, Havana, Amiens (França) e Galway (Irlanda).

Folha - Por que você quis filmar "Um Copo de Cólera", um livro de 20 anos atrás e aparentemente infilmável?
Aluizio Abranches -
O que mais me interessou nele foi a discussão da convivência com as diferenças. Quer dizer: como um casal pode ter uma atração tão grande e, ao mesmo tempo, ter idéias tão diferentes? Escolhi a linha da paixão para fazer a minha leitura. Além disso, gosto de filmes de casal.
Vi umas 18 vezes, na adolescência, "O Clamor do Sexo", do Elia Kazan. Chorava em todas elas. O que mais me angustiava era o Warren Beatty e a Natalie Wood não terem consumado o amor físico. Tantos anos depois, é como se eu tivesse feito a Julia e o Alexandre consumarem aquele amor (risos).
Folha - Qual é, resumidamente, a sua interpretação do livro?
Abranches -
Vou dizer uma coisa meio boba, romântica: acho que é aquela conclusão de que "o amor é a única razão da vida".
Para mim, o livro tem uma divisão marcada por três frases: "Não é para tanto, mocinho que usa a razão", "Só usa a razão quem nela incorpora suas paixões" e "O amor é a única razão da vida".
Acho que Raduan quis, ao contrário de Platão, mostrar que essas duas coisas -paixão e razão- não podem ser dissociadas.
Folha - Foram seis semanas de ensaio para três semanas de filmagem. Houve espaço para improvisação no set?
Abranches -
Claro. Você põe a câmera na frente, muda tudo. Mesmo porque eu ensaiei com os atores, mas não ensaiei com o diretor de fotografia, Pedro Farkas, e a maioria das coisas a gente filmou com câmera na mão. Filmamos em 16 mm justamente para ter essa maior mobilidade de câmera.
Mas a concepção básica do filme não mudou, durante as filmagens.
Folha - Como você chegou a essa forma narrativa híbrida, com voz em "off" às vezes, e em outras o ator falando direto para a câmera?
Abranches -
Essa questão dos depoimentos eu pensei muito. Havia várias coisas. Uma: como não perder os pensamentos dele? A segunda era a idéia de fazer aqueles comentários contribuírem para o avanço da narrativa. Por isso, eles sempre começam comentando o que aconteceu e antecipando um pouco o que vem depois.
Acho também que o próprio personagem, ao comentar a ação olhando para a câmera, afasta um pouco o espectador da tensão da cena, dá um respiro, um alívio. E, ao mesmo tempo, torna mais compreensível o que se passa. Além de tudo, eu gosto, esteticamente, dessa solução.
Folha - O que foi mais difícil filmar: as cenas de sexo ou os longos diálogos ininterruptos?
Abranches -
As cenas de sexo tiveram mais solenidade. Esvaziamos o set, teve um clima respeitoso, quase sagrado. Fez-se naturalmente um silêncio no set, quase como se fosse uma cerimônia que estivesse sendo realizada.
Foram três dias solenes. Quando filmamos a cena do colar, acabei aos prantos. Eu me comovi muito.
Folha - Como foi feita, tecnicamente, aquela projeção de imagens sobre o vestido que o protagonista segura, na cama?
Abranches -
Antes de falar da técnica, eu gostaria de dizer que procurei dar um significado a todas as imagens, para respeitar o texto, que é muito preciso na escolha das palavras e seu sentido.
O vestido foi muito pensado. A Julia experimentou oito vestidos diferentes, até a gente chegar à cor exata, que remetia à terra, a alguma coisa primal, ao sexo.
Ao mesmo tempo, o pano ia servir de veículo para a lembrança dele. Aí entra a técnica. Filmamos antes a transa deles em pé, ela com as pernas em torno dos quadris dele, mandamos para o laboratório para revelar e num dos últimos dias de filmagem a gente projetou aquela imagem num espelho e do espelho ela refletia para o pano.


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