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Crítica/"Corpo"
Ficção de risco sobre médico-legista enfrenta o tema da ditadura
Rubens Rewald e Rossana Foglia dirigem longa em que Leonardo Medeiros tenta descobrir identidade de cadáver
CRÍTICO DA FOLHA
Um tema recorrente no
pensamento e nas religiões ocidentais é que
o corpo sem a alma reduz-se à
mera matéria, sujeita à desaparição. Hoje, nossa alma contemporânea foi resumida à
identidade, este algo que permite existir em meio à multidão. Um cadáver não-identificado está condenado a um túmulo anônimo, a um enterro
sem honras.
Neste terreno de idéias se
aventuram os diretores Rossana Foglia e Rubens Rewald em
"Corpo", estréia em longa da
dupla depois de uma carreira
em curtas e no teatro.
A despeito das questões em
que mergulha, "Corpo" não
consiste num trabalho intelectualizado, acessível apenas a
pequenos públicos. Trata-se,
sim, de um filme mental, em
que a trama se organiza de forma misteriosa, mas nunca obscura, e em que a fotografia em
luz fria reitera para o espectador a impressão de irrealidade.
Seu ponto de partida é a obsessão de um médico-legista
por um cadáver que aparece intacto em meio a ossadas de inimigos políticos eliminados durante o regime militar.
Nesta zona indefinida após a
vida e antes do enterro é que
transita Artur (o sempre excelente Leonardo Medeiros), para o qual a existência ganha
sentido na medida em que
guarda uma história. No metrô,
Artur olha os corpos e imagina
relatos com começo, meio e
fim. Diante do corpo que aparece no necrotério, o médico
mergulha no labirinto da história coletiva, em busca das peças
de um quebra-cabeças ameaçado de nunca se completar.
Artur evoca em sua ação,
sempre ameaçada de paralisia,
o detetive Scottie, personagem
de James Stewart em "Um Corpo que Cai", de Alfred Hitchcock. Enquanto Scottie era vítima da paixão por uma imagem
que se duplicava, Artur envolve-se com uma forma sem vida
cujo fantasma se projeta em
corpos femininos e no corpo da
história.
No vaivém entre passado e
presente, "Corpo" se impõe como uma ficção de risco, que enfrenta o tema do regime militar, até agora tratado com obviedade no cinema brasileiro,
sem se resumir à mera exumação.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)
CORPO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Rubens Rewald e Rossana Foglia
Com: Leonardo Medeiros, Rejane Arruda e Chris Couto
Onde: estréia hoje no HSBC Belas Artes e circuito; classificação: 14 anos
Avaliação: bom
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