São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2008

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Crítica/"Corpo"

Ficção de risco sobre médico-legista enfrenta o tema da ditadura

Rubens Rewald e Rossana Foglia dirigem longa em que Leonardo Medeiros tenta descobrir identidade de cadáver

CRÍTICO DA FOLHA

Um tema recorrente no pensamento e nas religiões ocidentais é que o corpo sem a alma reduz-se à mera matéria, sujeita à desaparição. Hoje, nossa alma contemporânea foi resumida à identidade, este algo que permite existir em meio à multidão. Um cadáver não-identificado está condenado a um túmulo anônimo, a um enterro sem honras.
Neste terreno de idéias se aventuram os diretores Rossana Foglia e Rubens Rewald em "Corpo", estréia em longa da dupla depois de uma carreira em curtas e no teatro.
A despeito das questões em que mergulha, "Corpo" não consiste num trabalho intelectualizado, acessível apenas a pequenos públicos. Trata-se, sim, de um filme mental, em que a trama se organiza de forma misteriosa, mas nunca obscura, e em que a fotografia em luz fria reitera para o espectador a impressão de irrealidade.
Seu ponto de partida é a obsessão de um médico-legista por um cadáver que aparece intacto em meio a ossadas de inimigos políticos eliminados durante o regime militar.
Nesta zona indefinida após a vida e antes do enterro é que transita Artur (o sempre excelente Leonardo Medeiros), para o qual a existência ganha sentido na medida em que guarda uma história. No metrô, Artur olha os corpos e imagina relatos com começo, meio e fim. Diante do corpo que aparece no necrotério, o médico mergulha no labirinto da história coletiva, em busca das peças de um quebra-cabeças ameaçado de nunca se completar.
Artur evoca em sua ação, sempre ameaçada de paralisia, o detetive Scottie, personagem de James Stewart em "Um Corpo que Cai", de Alfred Hitchcock. Enquanto Scottie era vítima da paixão por uma imagem que se duplicava, Artur envolve-se com uma forma sem vida cujo fantasma se projeta em corpos femininos e no corpo da história.
No vaivém entre passado e presente, "Corpo" se impõe como uma ficção de risco, que enfrenta o tema do regime militar, até agora tratado com obviedade no cinema brasileiro, sem se resumir à mera exumação. (CÁSSIO STARLING CARLOS)

CORPO
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Rubens Rewald e Rossana Foglia
Com: Leonardo Medeiros, Rejane Arruda e Chris Couto
Onde: estréia hoje no HSBC Belas Artes e circuito; classificação: 14 anos
Avaliação: bom


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