São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 2000


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NOITE ILUSTRADA
Somos 500, 550, 100 mil na parada gay de SP

ERIKA PALOMINO

VOCÊ vai andando pela Paulista e vê, logo de cara, que alguma coisa está diferente. Em alguns metros, o olhar pela calçada já mostra que este não é um domingo comum. Como uma seita, vão todos na mesma direção, tendo a antena da Gazeta como ponto de encontro, todo mundo seguindo, decidido. Sai de cena o povo estressado que habita a Paulista durante a semana, e chega um pessoal disposto a mostrar que, como diz a música, nada será como antes.

PARA começar, é um festival de peruca e pluma, né? Onde você olha tem uma montação. Mas na rua não têm só travestis, transformistas, drag queens, performáticos, caricatas. Não é só o lado extravagante. Além das exibidas, tem gente comum -aquela história do gay next-door, que pode ser seu vizinho, seu dentista, seu advogado, seu professor, seu colega, seu irmão, você. Mas não só homens, de todos os tipos físicos, com pouca ou muita roupa. Mulheres, muitas, as femininas e as feministas, as bolachas, as machas, as velhas, as jovens; umas, bonitas, outras nem tanto. Umas, famosas, outras nem tanto. Algumas amigas, você.

UNS , umas, outros e outras não são todos gays. E o que cresceu este ano o número de simpatizantes -o S do GLS? Mais que simpatizantes, simpáticos, gente que se dispôs a sair de casa para aumentar o coro dos que querem simplesmente viver com liberdade e dignidade (chame como quiser; chame de cidadania). Este ano, esses simpáticos simpatizantes não se incomodaram nem um pouco em serem "confundidos" com os gays e com as lésbicas que estavam lá para defender, mais especificamente, os seus próprios direitos. Essa não foi uma parada para "assumir" (verbo velho), mas para "agregar" (verbo novo). Pois os nossos SS (simpáticos simpatizantes) ajudaram, e muito, a somar 100 mil pessoas (você já sabe, você já viu no noticiário) na parada do último domingo. E 100 mil é gente pra caramba!

COMANDADO por ícones do cenário noturno underground de São Paulo, que, como se sabe, é território pra lá de pródigo para as diferentes manifestações da sexualidade, o caminhão da Lôca tinha Kaká Trash vestida de bailarina, o agora lendário Aníbal (que transportou o seu "escritório" para ali mesmo, na Paulista), mais os DJs, entre eles o Davi, o Renato Cohen e o Julião, que aliás tocou superbem, cheio de groove, de humor e malícia. Bem apropriado para a parada mesmo. Quem também adorou foi a Marina Lima, que também estava lá embaixo, no chão mesmo, parando a cada três metros para tirar fotos com fãs, queridíssima do povo.

TUDO isso só no começo. Teríamos mais ainda, com a rabeira da parada, o ônibus com os chifres cor-de-rosa do Mix Brasil, a primeira fila da nova intelligentsia (no bom sentido) gay paulistana estava lá, incluindo militantes como Vange Leonel e a simpática Marisa Orth, mais a supergrávida Fernanda Young e a eloquente Patricia Casé.

E tinha muito mais. Andar com a parada foi ótimo. Tanta gente, impossível ver e descrever todo mundo. Perdi o discurso da Marta Suplicy, por exemplo, não achei a Veronika nem o Walério Araujo e também não vi o Edson Cordeiro cantar o hino. É muita gente mesmo (um leitor grosso ainda me mandou um e-mail passando um pito, dizendo que eu não fui. Eu, hein!).

O entardecer, o acender das luzes e a virada para a Consolação foram momentos históricos. O povo da SoGo foi pegando fogo, parecia pista de dança mesmo, e foi para lá que eu fui quando o som do carro da Lôca foi ficando pesado demais (gente, tem que tocar música de parada, não é para cortar lenha!). Aaaaaai, a descida da Consolação foi tudo. Para baixo todo santo ajuda, e lá o povo de apoio dos prédios cumpriu papel fundamental. Tinha uma meiga na esquina da Sabará que levantou a gente, saudando e jogando beijos. Tinha quem jogasse papel, acenasse, e umas travas absurdas foram ovacionadas, escondidas naquelas janelinhas, ainda meio tristes, pobres e solitárias (nem tudo é festa só porque é parada).

FOI tudo também uma absurda vestida de pantera (leoa, gata, sei lá) que subiu numa árvore e ficou fazendo pose de felina, absurda. Essa o Simão adorou! E foi bom também ver o povo da moda, dando um tempo no Morumbi e na Semana de Moda -maquiadores, estilistas, produtores. E os jornalistas off-duty também.

FOI isso, foi bom de ver, bom de sentir. Deu orgulho mesmo, deu aqueles lampejos incríveis de coletividade e individualidade, aquele vento que bate de quando em quando na hora em que você está vivendo um momento histórico, um turning point, como se diz, um momento único.


Leitor, desculpa aí alguma pieguice, alguma emoção meio barata. Convido-o a estar com a gente durante o ano e na próxima parada, então.
E-mail - palomino@uol.com.br


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