|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NOITE ILUSTRADA
Somos 500, 550, 100 mil na parada gay de SP
ERIKA PALOMINO
VOCÊ vai andando pela Paulista e
vê, logo de cara, que alguma coisa
está diferente. Em alguns metros,
o olhar pela calçada já mostra que
este não é um domingo comum.
Como uma seita, vão todos na
mesma direção, tendo a antena
da Gazeta como ponto de encontro, todo mundo seguindo, decidido. Sai de cena o povo estressado que habita a Paulista durante a
semana, e chega um pessoal disposto a mostrar que, como diz a
música, nada será como antes.
PARA começar, é um festival de
peruca e pluma, né? Onde você
olha tem uma montação. Mas na
rua não têm só travestis, transformistas, drag queens, performáticos, caricatas. Não é só o lado extravagante. Além das exibidas,
tem gente comum -aquela história do gay next-door, que pode
ser seu vizinho, seu dentista, seu
advogado, seu professor, seu colega, seu irmão, você. Mas não só
homens, de todos os tipos físicos,
com pouca ou muita roupa. Mulheres, muitas, as femininas e as
feministas, as bolachas, as machas, as velhas, as jovens; umas,
bonitas, outras nem tanto. Umas,
famosas, outras nem tanto. Algumas amigas, você.
UNS , umas, outros e outras não
são todos gays. E o que cresceu
este ano o número de simpatizantes -o S do GLS? Mais que simpatizantes, simpáticos, gente que
se dispôs a sair de casa para aumentar o coro dos que querem
simplesmente viver com liberdade e dignidade (chame como quiser; chame de cidadania). Este
ano, esses simpáticos simpatizantes não se incomodaram nem um
pouco em serem "confundidos"
com os gays e com as lésbicas que
estavam lá para defender, mais
especificamente, os seus próprios
direitos. Essa não foi uma parada
para "assumir" (verbo velho),
mas para "agregar" (verbo novo).
Pois os nossos SS (simpáticos
simpatizantes) ajudaram, e muito, a somar 100 mil pessoas (você
já sabe, você já viu no noticiário)
na parada do último domingo. E
100 mil é gente pra caramba!
COMANDADO por ícones do
cenário noturno underground de
São Paulo, que, como se sabe, é
território pra lá de pródigo para
as diferentes manifestações da sexualidade, o caminhão da Lôca tinha Kaká Trash vestida de bailarina, o agora lendário Aníbal (que
transportou o seu "escritório" para ali mesmo, na Paulista), mais
os DJs, entre eles o Davi, o Renato
Cohen e o Julião, que aliás tocou
superbem, cheio de groove, de
humor e malícia. Bem apropriado para a parada mesmo. Quem
também adorou foi a Marina Lima, que também estava lá embaixo, no chão mesmo, parando a
cada três metros para tirar fotos
com fãs, queridíssima do povo.
TUDO isso só no começo. Teríamos mais ainda, com a rabeira da
parada, o ônibus com os chifres
cor-de-rosa do Mix Brasil, a primeira fila da nova intelligentsia
(no bom sentido) gay paulistana
estava lá, incluindo militantes como Vange Leonel e a simpática
Marisa Orth, mais a supergrávida
Fernanda Young e a eloquente
Patricia Casé.
E tinha muito mais. Andar com a
parada foi ótimo. Tanta gente,
impossível ver e descrever todo
mundo. Perdi o discurso da Marta Suplicy, por exemplo, não
achei a Veronika nem o Walério
Araujo e também não vi o Edson
Cordeiro cantar o hino. É muita
gente mesmo (um leitor grosso
ainda me mandou um e-mail
passando um pito, dizendo que
eu não fui. Eu, hein!).
O entardecer, o acender das luzes
e a virada para a Consolação foram momentos históricos. O povo da SoGo foi pegando fogo, parecia pista de dança mesmo, e foi
para lá que eu fui quando o som
do carro da Lôca foi ficando pesado demais (gente, tem que tocar
música de parada, não é para cortar lenha!). Aaaaaai, a descida da
Consolação foi tudo. Para baixo
todo santo ajuda, e lá o povo de
apoio dos prédios cumpriu papel
fundamental. Tinha uma meiga
na esquina da Sabará que levantou a gente, saudando e jogando
beijos. Tinha quem jogasse papel,
acenasse, e umas travas absurdas
foram ovacionadas, escondidas
naquelas janelinhas, ainda meio
tristes, pobres e solitárias (nem
tudo é festa só porque é parada).
FOI tudo também uma absurda
vestida de pantera (leoa, gata, sei
lá) que subiu numa árvore e ficou
fazendo pose de felina, absurda.
Essa o Simão adorou! E foi bom
também ver o povo da moda,
dando um tempo no Morumbi e
na Semana de Moda -maquiadores, estilistas, produtores. E os
jornalistas off-duty também.
FOI isso, foi bom de ver, bom de
sentir. Deu orgulho mesmo, deu
aqueles lampejos incríveis de coletividade e individualidade,
aquele vento que bate de quando
em quando na hora em que você
está vivendo um momento histórico, um turning point, como se
diz, um momento único.
Leitor, desculpa aí alguma pieguice, alguma emoção meio barata. Convido-o a
estar com a gente durante o ano e na
próxima parada, então.
E-mail - palomino@uol.com.br
Texto Anterior: Balé: Montalvo une dança e artes plásticas Próximo Texto: Literatura: Sônia Sant'Anna visita as casas de seus antepassados em romance Índice
|