São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pagu é resgatada do lixo

Arquivo Edgard Leunroth/Jornal da Unicamp
Pagu em retrato dos anos 40


Catadora encontra na rua fotos e documentos da musa modernista, agora doados à Unicamp

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Musa do modernismo brasileiro, Pagu acabou no lixo de São Paulo. O olhar lânguido, os cabelos morenos encaracolados, a boca coberta do batom mais vermelho que encantaram Oswald de Andrade & cia. foram jogados em um saco de plástico azul e deixados em uma esquina do Butantã.
O acaso fez com que por essa rua passassem Selma Morgana Sarti, 42, e seu carrinho de supermercado. Catadora de papéis, ela não conhecia Pagu, mas achou que as fotos da mulher atraente, anexadas a jornais antigos, poderiam ter importância.
Nesta semana, depois de idas e vindas, o pequeno acervo localizado há cerca de oito meses chegou às mãos da Unicamp. E acabou se transformando em presente de aniversário do Arquivo Edgard Leuenroth da universidade, que está completando 30 anos.
Patricia Galvão (1910-1962), nome de batismo da escritora e jornalista, juntou-se a um dos principais acervos do país sobre movimentos políticos de esquerda, que consumiram parte de sua vida.
Segundo Rudá de Andrade, 73, filho de Pagu com Oswald de Andrade, o pequeno conjunto de documentos, sobre o qual tomou conhecimento por meio da Folha, "deve ser o primeiro acervo público sobre sua mãe".
O "acervo" que chegou à Unicamp tem 17 itens, incluindo uma medalha recebida pela escritora em Santos, onde morou no fim da vida, e uma carteira profissional original.
A Folha apurou que o conjunto foi descartado pela jornalista Leda Rita Cintra Ferraz, que separou-se há pouco mais de um ano de outro filho de Pagu, Geraldo Galvão Ferraz, hoje em Nova York.
"Só pode ter sido jogado por mim, inadvertidamente. Kiko (Geraldo) deixou as coisas na mais perfeita bagunça, e algo deve ter se misturado ao lixo", diz Cintra Ferraz, que assina a curadoria de exposição sobre Pagu que começa itinerância pelo interior paulista amanhã, por Jaú.
Selma Sarti, a catadora que encontrou o pequeno tesouro, diz que não se lembra exatamente das condições em que as peças foram encontradas. "Começo a catar os materiais às 2h, quando ainda está muito escuro. Só mais tarde examino aquilo que colhi."
Ex-secretária de um médico na região da avenida Paulista e ex-encarregada do departamento financeiro de uma empresa, ela trabalha como catadora há sete anos, desde que o nascimento do filho Jefferson coincidiu com seu desemprego. "Não trocaria de emprego. Gosto do que faço."
As fotos de Pagu não foram o primeiro "achado" de Selma, que diz já ter encontrado até livros do século 19. "A única coisa que não consegui encontrar foi uma maleta recheada de dólares", brinca.
Autodenominando-se militante da reciclagem, ela diz que, "se o país reaproveitasse melhor o que joga fora, não seria preciso a taxa de lixo de Marta". "Nosso lixo é muito rico. É até irônico falar de Fome Zero com a quantidade de comida que jogamos", opina a catadora, que completou o ginásio.
"Se tivesse mais estudos, poderia identificar muito mais coisas importantes no lixo", conta. No caso de Pagu, ela acabou recorrendo a uma estudante que vivia perto de sua casa no Butantã. Cristina Dunaiva, hoje doutoranda de história da arte na Unicamp, e seu colega Marcelo Chaves encaminharam o material para o Arquivo Edgard Leuenroth, originado com documentos desse militante anarquista (1881-1968).
"O material é de grande importância para o arquivo, que tem como eixo os movimentos sociais do início do século e que possui farta documentação sobre história cultural, áreas de Pagu", diz Elaine Zanatta, supervisora do arquivo, onde estão, entre outras, uma coleção com 37 anos de documentação do Teatro Oficina e o acervo da pesquisa sobre tortura Brasil: Nunca Mais.


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.