São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2004

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FÓRUM CULTURAL MUNDIAL

O cineasta israelense, que dá conferência em SP, diz que as migrações são tema prioritário

Amos Gitai foca a errância dos povos

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Conferencista convidado do Fórum Cultural Mundial, o cineasta israelense Amos Gitai, 53, defende a permanência das utopias -de algumas, pelo menos. "Se aceitarmos que todas as utopias são anacrônicas, tombaremos no niilismo ou no conformismo com com o presente", diz.
Entre as idéias utópicas que Gitai respeita está a de "construir algo em outro lugar". A errância dos refugiados (das guerras religiosas, étnicas ou do desastre econômico) e seu reflexo na formação das identidades (fragmentadas) de hoje em dia é o tema que a intelectualidade mundial deveria eleger, segundo o cineasta, que, entre 1983 e 1993 viveu na França, país que co-produz seus filmes.
Em Israel, fundou uma escola de cinema em sua cidade-natal, Haifa, e filmou títulos como "Kadosh" (1999) e "Kippur -O Dia do Perdão", traduções de um pensamento que Gitai expõe a seguir.
 

Folha - A conferência da qual o sr. participa, amanhã, tem por tema "Patrimônios e paradigmas da humanidade". Não é muito amplo?
Amos Gitai -
Para dizer a verdade, acho o tema vasto demais sim. O que me interessa é tratar de uma certa condição de deslocamento da humanidade. Os deslocamentos de refugiados e os movimentos de populações por razões econômicas nos deram um tipo de patrimônio fragmentado.
Quando observamos o estilo das cidades, sua arquitetura, notamos uma espécie de desenraizamento, ou um caráter de bombonnière, de coisas empilhadas fora de seu contexto. Nós, os cidadãos deste universo, acabamos assumindo, como espectadores, um olhar desconectado. É preciso encontrar uma forma de falar sobre isso, de transformar esse assunto na nossa matéria.

Folha - Os organizadores do Fórum propõem um debate centrado na luta dos países periféricos contra a "hegemonia cultural". Essa é uma discussão válida ou uma formulação equivocada?
Gitai -
Depende. Em alguns casos, podemos falar de uma situação de dominação. No cinema, por exemplo, 95% dos produtos audiovisuais do planeta, a grosso modo, são exportados pelos EUA.
É também verdade que, quando houve a grande negociação do Gatt [Acordo Geral de Tarifas e Comércio], os americanos fizeram um pacto contra a proposta européia da exceção cultural, na qual se argumenta que os produtos culturais não são uma mercadoria no sentido estrito, mas ajudam a formular uma identidade e, por isso, os países devem ter o direito de defender sua cultura com subvenções.
Para voltar à sua questão, devo dizer que o assunto é muito complexo. Sob a discussão da hegemonia cultural, às vezes, escondem-se pensamentos simplistas demais. O que digo é que, sob o tema da hegemonia cultural, há uma crítica verdadeira e uma crítica que protege outra realidade.

Folha - O sr. está entre os cineastas que aceitaram refletir sobre o 11 de Setembro no cinema, assinando o episódio de Israel no filme coletivo "11"9'01". Por que aceitou esse convite?
Gitai -
Eu tinha vontade de mostrar a ressonância de um episódio como aquele no outro lado do planeta. [Usei] Um atentado na rua Jaffa [em Jerusalém] e a maneira como a mídia audiovisual trata suas conseqüências.
No Oriente Médio, somos muito sensíveis à enorme concentração midiática. Acho que é a região com o maior número de câmeras por metro quadrado. Elas olham o tempo inteiro, observam cada nuance, cada ato de brutalidade cometido por um lado ou pelo outro. Nós, israelenses e palestinos, nos tornamos uma espécie de figurantes numa novela midiática pré-escrita em outro lugar. E nos auto-intoxicamos com isso.

Folha - Que conseqüência um fórum como o de São Paulo produz?
Gitai -
A contribuição é sensibilizar as pessoas, como uma obra faz. Esse não é um meio direto de mudar a realidade. Há pessoas que fazem política no sentido direto e há outro modo, menos direto de interferir, que passa pela palavra. Acho que é uma contribuição modesta mas, ao mesmo tempo, se conseguirmos transmitir uma idéia que mude a percepção de alguém, não é pouco.


Leia mais sobre o Fórum Cultural Mundial na Folha Online (www.folha.com.br/especial/2004/forumculturalmundial)


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