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FÓRUM CULTURAL MUNDIAL
O cineasta israelense, que dá conferência em SP, diz que as migrações são tema prioritário
Amos Gitai foca a errância dos povos
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Conferencista convidado do Fórum Cultural Mundial, o cineasta
israelense Amos Gitai, 53, defende a permanência das utopias
-de algumas, pelo menos. "Se
aceitarmos que todas as utopias
são anacrônicas, tombaremos no
niilismo ou no conformismo com
com o presente", diz.
Entre as idéias utópicas que Gitai respeita está a de "construir algo em outro lugar". A errância
dos refugiados (das guerras religiosas, étnicas ou do desastre econômico) e seu reflexo na formação das identidades (fragmentadas) de hoje em dia é o tema que a
intelectualidade mundial deveria
eleger, segundo o cineasta, que,
entre 1983 e 1993 viveu na França,
país que co-produz seus filmes.
Em Israel, fundou uma escola
de cinema em sua cidade-natal,
Haifa, e filmou títulos como "Kadosh" (1999) e "Kippur -O Dia do
Perdão", traduções de um pensamento que Gitai expõe a seguir.
Folha - A conferência da qual o sr.
participa, amanhã, tem por tema
"Patrimônios e paradigmas da humanidade". Não é muito amplo?
Amos Gitai - Para dizer a verdade, acho o tema vasto demais sim.
O que me interessa é tratar de
uma certa condição de deslocamento da humanidade. Os deslocamentos de refugiados e os movimentos de populações por razões econômicas nos deram um
tipo de patrimônio fragmentado.
Quando observamos o estilo
das cidades, sua arquitetura, notamos uma espécie de desenraizamento, ou um caráter de bombonnière, de coisas empilhadas
fora de seu contexto. Nós, os cidadãos deste universo, acabamos
assumindo, como espectadores,
um olhar desconectado. É preciso
encontrar uma forma de falar sobre isso, de transformar esse assunto na nossa matéria.
Folha - Os organizadores do Fórum propõem um debate centrado
na luta dos países periféricos contra a "hegemonia cultural". Essa é
uma discussão válida ou uma formulação equivocada?
Gitai - Depende. Em alguns casos, podemos falar de uma situação de dominação. No cinema,
por exemplo, 95% dos produtos
audiovisuais do planeta, a grosso
modo, são exportados pelos EUA.
É também verdade que, quando
houve a grande negociação do
Gatt [Acordo Geral de Tarifas e
Comércio], os americanos fizeram um pacto contra a proposta
européia da exceção cultural, na
qual se argumenta que os produtos culturais não são uma mercadoria no sentido estrito, mas ajudam a formular uma identidade e,
por isso, os países devem ter o direito de defender sua cultura com
subvenções.
Para voltar à sua questão, devo
dizer que o assunto é muito complexo. Sob a discussão da hegemonia cultural, às vezes, escondem-se pensamentos simplistas
demais. O que digo é que, sob o
tema da hegemonia cultural, há
uma crítica verdadeira e uma crítica que protege outra realidade.
Folha - O sr. está entre os cineastas que aceitaram refletir sobre o
11 de Setembro no cinema, assinando o episódio de Israel no filme
coletivo "11"9'01". Por que aceitou esse convite?
Gitai - Eu tinha vontade de mostrar a ressonância de um episódio
como aquele no outro lado do
planeta. [Usei] Um atentado na
rua Jaffa [em Jerusalém] e a maneira como a mídia audiovisual
trata suas conseqüências.
No Oriente Médio, somos muito sensíveis à enorme concentração midiática. Acho que é a região
com o maior número de câmeras
por metro quadrado. Elas olham
o tempo inteiro, observam cada
nuance, cada ato de brutalidade
cometido por um lado ou pelo
outro. Nós, israelenses e palestinos, nos tornamos uma espécie
de figurantes numa novela midiática pré-escrita em outro lugar. E
nos auto-intoxicamos com isso.
Folha - Que conseqüência um fórum como o de São Paulo produz?
Gitai -A contribuição é sensibilizar as pessoas, como uma obra
faz. Esse não é um meio direto de
mudar a realidade. Há pessoas
que fazem política no sentido direto e há outro modo, menos direto de interferir, que passa pela
palavra. Acho que é uma contribuição modesta mas, ao mesmo
tempo, se conseguirmos transmitir uma idéia que mude a percepção de alguém, não é pouco.
Leia mais sobre o Fórum Cultural Mundial na Folha Online (www.folha.com.br/especial/2004/forumculturalmundial)
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