São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 2009

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Twitter espreme e divulga romances

Adaptações de clássicos ou criações originais podem ser vistas no sistema on-line de mensagens de até 140 caracteres

Experiências literárias incluem de performance com vários personagens de "Ulysses", de Joyce, a "contos nanicos" de Marcelino Freire


RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Em tempos de Twitter, o sistema on-line de troca de mensagens de até 140 caracteres, um romance como "Orgulho e Preconceito" poderia ficar assim: "Mulher encontra homem chamado Darcy que parece horrível. Ele mostra ser realmente legal. Eles ficam juntos."
A sinopse bem-humorada da obra de Jane Austen está em "The Little Book of Twitter", compilação recém-lançada de mensagens "tuitadas" na rede. Os resumos são feitos a título de piada, mas alguns usuários têm levado a sério as possibilidades literárias do sistema.
Na semana passada, dois estudantes americanos anunciaram que lançarão neste ano, pela Penguin, o livro "Twitterature", com versões de romances no estilo do Twitter -a meta é que nenhum deles passe de 20 trechos com 140 caracteres ou menos cada um. A lista inclui de Shakespeare a J.K. Rowling.
O projeto recebeu destaque em sites do mundo todo. Mas o criador do mais famoso evento literário do Twitter -a performance "Twittering Rocks", que leva ao sistema, uma vez por ano, um capítulo de "Ulysses", de James Joyce- acredita que o "Twitterature" não explora as possibilidades do serviço.
"Eles vão abordar só a extensão dos textos, não a temporalidade", desdenha Ian Bogost, 32, professor do Instituto Georgia de Tecnologia (EUA).
Em 2007, Bogost e um colega resolveram refazer, no Bloomsday (feriado irlandês de 16 de junho que celebra a obra de Joyce), o capítulo dez do romance. "Entusiastas pensam várias formas de refazer os passos dos personagens nesse dia, mas mesmo novas tecnologias não capturam a complexidade da escrita", diz. Os dois refizeram o capítulo em uma série de trechos com 140 caracteres ou menos. Registraram 54 personagens como usuários do Twitter e criaram um programa para "tuitar" cada uma das falas na mesma sequência do livro.
Bogost não é fã do Twitter, que avalia como um "serviço selvagemente e ingenuamente considerado uma ferramenta de comunicação". Mas acredita que seu projeto ajuda a "passar da egomania para a reflexão."

Romance original
O americano Nick Belardes, 40, chama para si o mérito de ter criado o primeiro "romance literário original" do Twitter dentre uma série que existe na rede. Iniciou "Small Places", misto de história de amor e paródia corporativa, em abril de 2008. "A construção linha a linha da trama é um desafio", diz.
Desafio também é ler os mais de 600 trechos que ele já postou, já que o Twitter prioriza as últimas mensagens, escondendo as primeiras -é preciso voltar várias páginas no link "more" até chegar ao começo. "Para quem pega do meio, há dificuldades perceptíveis", ele admite.
No Brasil, o escritor Marcelino Freire, 42, organizador de obras como "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século", entrou no Twitter neste mês com o projeto de chegar aos mil "contos nanicos". Por enquanto, só "tuitou" 12, como "-O que é iiiisssssoooooo, Padre? / -O pecado, meu filho". Mas diz que já tem uns 200 escritos.
"Sempre fui ligado em microformatos, eles são ideais para o mundo atropelado em que vivemos. O Twitter tem um formato que, de alguma forma, representa o que toda boa literatura deve ser: enxuta", diz.


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