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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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Livro traça paralelo original entre as epidemias e a evolução da humanidade

A história INFECTADA

Divulgação
"A Pestilência", pintura do século 19, de Arnold Bocklin, representando a Peste Negra ceifando vidas numa cidade medieval


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano passado, quando o médico Stefan Cunha Ujvari, 39, ofereceu à editora Senac um livro histórico sobre epidemias, os editores inicialmente gostaram da idéia. "Sars, vaca louca... O assunto está no ar", pensaram. Mas houve uma desconfiança geral: um texto escrito por um infectologista, sobre bactérias e microorganismos, não será um relatório médico ilegível para os não-doutores?
Assim, a editora pensou em contratar um redator para tornar a obra palatável ao público das livrarias. Não foi preciso. Após algumas páginas de leitura, os editores constataram: Ujvari já era portador do vírus do escritor.
Além de escrever bem, esse infectologista descendente de húngaros tem uma forma original de encarar o assunto. Como nota seu colega Moacyr Scliar, colunista da Folha, no prefácio: "É possível balizar a história através das grandes idéias. Ou é possível balizar a história por eventos econômicos. Ou pela luta de classes. Mas também é possível balizar a história por meio das doenças que acometem grandes grupos populacionais: as epidemias".
Em "A História e Suas Epidemias - A Convivência do Homem com os Microorganismos", mais que as epidemias propriamente ditas, o foco de Ujvari (pronuncia-se Uivari) é a história e as histórias que criaram as possibilidades para as doenças proliferarem.
"Cada fase da história teve uma característica que favoreceu o surgimento de uma doença ou outra. Sempre há um comércio nascente, uma época propícia, uma rota muito usada. O livro tenta traçar um paralelo da evolução da humanidade com a evolução das epidemias", diz o autor.
Historiador autodidata, ele pergunta: o que a descoberta do ouro na Califórnia, em meados do século 19, tem a ver com as epidemias de febre amarela que atingiram o Rio de Janeiro a partir de 1850? Tudo.
Havia mosquitos transmissores da febre no Rio, mas o vírus só existia nas ilhas caribenhas. Quando o ouro é descoberto na Califórnia, navios de mineiros saem de Nova Orleans, passam pelo Caribe (onde os viajantes se infectam), param no Rio de Janeiro (onde infectam os moradores) e contornam o continente até a ensolarada Califórnia. As epidemias cariocas só acabariam no início do século 20, quando Oswaldo Cruz sanearia a cidade.
O livro está cheio de relações curiosas e inusitadas como essas, priorizando o aspecto cronológico e evitando organizar os capítulos por tipos de epidemia, comum em publicações do gênero.
O médico conta outro exemplo brasileiro: "Houve uma grande epidemia de varíola que matou 56 mil pessoas em Fortaleza em 1878. Descobri há pouco um livro que coloca 1877 como um ano de grandes estragos do El Niño [fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico ao longo da costa do Peru que afeta o clima global]. O aquecimento provocou uma seca no Nordeste, que, por sua vez, provocou um êxodo de 400 mil nordestinos do sertão para as cidades. Fortaleza tinha 60 mil pessoas e passou para 170 mil. E ficou propícia para a epidemia".
Dentre todas as epidemias, não faltam as famosas e temidas Peste Negra, que matou um terço da população da Europa entre 1347 e 1350, e Gripe Espanhola, com 22 milhões de mortos no currículo (leia quadro nesta página). Mas há espaço também para as epidemias que nem aconteceram realmente, mas foram "construídas" pelo homem, como a lepra durante a Idade Média.
"A partir de 1100, muitos europeus voltam das Cruzadas com lepra. Não se trata de uma doença de alto contágio, que poderia se transformar em epidemia", diz.
"Mas a igreja concluiu que era uma doença causada pelos pecados. Daí os leprosos "imorais" e "pecaminosos" serem expulsos e caçados. E quem tinha qualquer outro tipo de doença de pele também entrou no bolo."
"A História e Suas Epidemias" é resultado de cinco anos de trabalho do médico-escritor. Começou como uma aula na Escola Paulista de Medicina, virou apostila e foi crescendo até chegar às mais de 300 páginas do livro.
E vem mais por aí. "Estou trabalhando em um novo livro, que conta como as alterações no ambiente estão propiciando o surgimento de novas e a volta de antigas epidemias. Mas agora não vou demorar tanto tempo para escrever. Já estou pegando o jeito."

A HISTÓRIA E SUAS EPIDEMIAS - A CONVIVÊNCIA DO HOMEM COM OS MICROORGANISMOS. Autor: Stefan Cunha Ujvari. Editoras: Senac Rio e Senac São Paulo. Quanto: R$ 45 (314 págs.).


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