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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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MÚSICA

Trilha sonora de "Lisbela e o Prisioneiro", filme de Guel Arraes, derramam hard rock em repertório popular

Trilha peca pela cafonice e excesso de rock pesado

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Disposta a fazer uma releitura em regra da cultura musical mais popular do Brasil, a trilha sonora do filme "Lisbela e o Prisioneiro", de Guel Arraes, tem todo o jeitão de Caetano Veloso.
Os créditos não são dele -o CD é produzido por João Falcão e André Moraes-, mas o que corre pelas 13 faixas da trilha são idéias que Caetano vem defendendo cada vez mais intensamente, de fundir e confundir os territórios da "elegância" e da "cafonice".
Não é à toa que Caetano interpreta com simpatia a canção principal do filme, uma balada ultracafona do ídolo popular de cabelão black power Fernando Mendes (do clássico brega "Cadeira de Rodas" e da fofa e sumida "Sorte Tem Quem Acredita Nela").
Dramática, "Você Não Me Ensinou a Te Esquecer" vem com órgão e bateria eletrônica e é candidata desde já a se tornar a nova "Sozinho", de Caetano.
Mas se o hit de Peninha queria soar lírico, aqui a cafonice é explícita, grudenta.
Caetano volta mais adiante dividindo com Jorge Mautner o rock "Oh Carol", que, apesar de ser a única faixa não brasileira do disco, se aproxima do imaginário popular brasileiro pelo vínculo com a jovem guarda.
O iê-iê-iê reaparece também em "Para o Diabo os Conselhos de Vocês", que teve gravações nos anos 60 por Erasmo Carlos e pelo bem mais cafona Paulo Sérgio.
A reinterpretação, bem fraquinha, é de uma "banda fictícia" de adolescentes. Mas aponta para um "crossover" de gêneros musicais que é a característica central da trilha.
Nesse caso é de iê-iê-iê e hard rock. No estranho caso de "A Dança das Borboletas" (parceria antológica entre Zé Ramalho e Alceu Valença), cruzam-se e chocam-se a popularidade nordestina de Zé Ramalho e o hardcore de efeito pop do Sepultura.
Mais "forrocore" é a marca de "A Dama de Ouro", pelo também ator Zéu Britto.
O tedioso dessas faixas é ouvir o rock mal-humorado tipo Hives, Vines etc. sendo assimilado como "forrock" brasileiro mais ou menos aborrecido.
Por isso, no capítulo das fusões inesperadas, o momento que se destaca é "Espumas ao Vento", em que o forró nordestino do autor Accioly Neto é integrado e atualizado pela voz sambista e a intrepretação propositalmente acafonada de Elza Soares.
Sem pingo de cafonice é a faixa "Deusa da Minha Rua", clássico popular que brilhou na voz de Silvio Caldas aqui relido na voz de Geraldo Maia e no violão de Yamandú Costa.
De resto, há as três canções originais. "Lisbela", com Los Hermanos, foi composta por Caetano Veloso e José Almino para a versão teatral de "Lisbela e o Prisioneiro".
Os produtores da trilha se responsabilizam pelo maracatu hardcore "O Amor É Filme", cantado por Lirinha (líder do Cordel do Fogo Encantado), e pelo hardcore puro "O Matador", com o Sepultura.
E o disco, mesmo forrado de estatutos e idéias de gancho forte, acaba cansando pelo excesso de rock pesado. Pela insistência com que aparece, esse rock'n'roll centrista às vezes sequestra a perspicaz estratégia dos produtores (e, indiretamente, de Caetano), de descontextualizar e sacudir paradigmas da cultura musical periférica brasileira.


Lisbela e o Prisioneiro   
Artista: vários
Lançamento: Natasha/BMG
Quanto: R$ 28, em média



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