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MÚSICA
Trilha sonora de "Lisbela e o Prisioneiro", filme de Guel Arraes, derramam hard rock em repertório popular
Trilha peca pela cafonice e excesso de rock pesado
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Disposta a fazer uma releitura em regra da cultura musical mais popular do Brasil, a trilha
sonora do filme "Lisbela e o Prisioneiro", de Guel Arraes, tem todo o jeitão de Caetano Veloso.
Os créditos não são dele -o CD
é produzido por João Falcão e André Moraes-, mas o que corre
pelas 13 faixas da trilha são idéias
que Caetano vem defendendo cada vez mais intensamente, de fundir e confundir os territórios da
"elegância" e da "cafonice".
Não é à toa que Caetano interpreta com simpatia a canção principal do filme, uma balada ultracafona do ídolo popular de cabelão black power Fernando Mendes (do clássico brega "Cadeira de
Rodas" e da fofa e sumida "Sorte
Tem Quem Acredita Nela").
Dramática, "Você Não Me Ensinou a Te Esquecer" vem com órgão e bateria eletrônica e é candidata desde já a se tornar a nova
"Sozinho", de Caetano.
Mas se o hit de Peninha queria
soar lírico, aqui a cafonice é explícita, grudenta.
Caetano volta mais adiante dividindo com Jorge Mautner o rock
"Oh Carol", que, apesar de ser a
única faixa não brasileira do disco, se aproxima do imaginário
popular brasileiro pelo vínculo
com a jovem guarda.
O iê-iê-iê reaparece também em
"Para o Diabo os Conselhos de
Vocês", que teve gravações nos
anos 60 por Erasmo Carlos e pelo
bem mais cafona Paulo Sérgio.
A reinterpretação, bem fraquinha, é de uma "banda fictícia" de
adolescentes. Mas aponta para
um "crossover" de gêneros musicais que é a característica central
da trilha.
Nesse caso é de iê-iê-iê e hard
rock. No estranho caso de "A
Dança das Borboletas" (parceria
antológica entre Zé Ramalho e Alceu Valença), cruzam-se e chocam-se a popularidade nordestina de Zé Ramalho e o hardcore de
efeito pop do Sepultura.
Mais "forrocore" é a marca de
"A Dama de Ouro", pelo também
ator Zéu Britto.
O tedioso dessas faixas é ouvir o
rock mal-humorado tipo Hives,
Vines etc. sendo assimilado como
"forrock" brasileiro mais ou menos aborrecido.
Por isso, no capítulo das fusões
inesperadas, o momento que se
destaca é "Espumas ao Vento",
em que o forró nordestino do autor Accioly Neto é integrado e
atualizado pela voz sambista e a
intrepretação propositalmente
acafonada de Elza Soares.
Sem pingo de cafonice é a faixa
"Deusa da Minha Rua", clássico
popular que brilhou na voz de Silvio Caldas aqui relido na voz de
Geraldo Maia e no violão de Yamandú Costa.
De resto, há as três canções originais. "Lisbela", com Los Hermanos, foi composta por Caetano
Veloso e José Almino para a versão teatral de "Lisbela e o Prisioneiro".
Os produtores da trilha se responsabilizam pelo maracatu
hardcore "O Amor É Filme", cantado por Lirinha (líder do Cordel
do Fogo Encantado), e pelo hardcore puro "O Matador", com o Sepultura.
E o disco, mesmo forrado de estatutos e idéias de gancho forte,
acaba cansando pelo excesso de
rock pesado. Pela insistência com
que aparece, esse rock'n'roll centrista às vezes sequestra a perspicaz estratégia dos produtores (e,
indiretamente, de Caetano), de
descontextualizar e sacudir paradigmas da cultura musical periférica brasileira.
Lisbela e o Prisioneiro
Artista: vários
Lançamento: Natasha/BMG
Quanto: R$ 28, em média
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