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CRÍTICA
Libelo é tendencioso e mentiroso, mas histórico
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Siegfried Engelmann e Elaine Bruner escreveram a historieta "My Pet Goat"
(meu bode de estimação) como
parte de uma cartilha de alfabetização para crianças norte-americanas, não imaginavam a fama
mundial que seu texto alcançaria.
Pois foi este livro que o presidente George W. Bush ficou lendo
naquela manhã de 11 de setembro
de 2001, numa classe de 16 alunos
numa escola pública da Flórida.
Por sete minutos. Ele já havia sido
avisado que o primeiro avião entrara na primeira torre do World
Trade Center. O segundo aviso foi
mais claro: "Sr. presidente, o país
está sob ataque", sussurrou ao seu
ouvido seu chefe de pessoal.
Para quem foi desmamado a
goles de Hollywood, como dois
terços do mundo, logo vem à
mente um time de policiais secretos resgatando o presidente, e este, em pouco tempo, já a bordo do
Air Force One, dando ordens, fazendo ligações, avaliando o caos.
Sete minutos. É preciso colocar
este lapso em perspectiva. Em sete
minutos, você lê toda esta página
duas vezes, e ainda sobra um troco. Por 420 segundos, o supremo
mandatário da única superpotência mundial ficou, boçal e olhar
bovino, sem saber o que fazer.
Só por este achado -a gravação
estava na tal escola, à disposição
de quem quisesse ver; nenhum
jornalista de nenhuma mídia foi
atrás, até que Michael Moore ligou e pediu a fita-, "Fahrenheit
11 de Setembro" já vale a pena.
Há outro ponto forte: as imagens, os depoimentos dos soldados norte-americanos em ação no
Iraque e (furo mundial, pré-fotos
do "Washington Post") parte desses soldados tratando de forma
abusiva prisioneiros iraquianos.
E é mais ou menos isso. Com a
tranqüilidade de quem cobriu in
loco os três principais eventos tratados no filme (as eleições presidenciais norte-americanas de
2000, o ataque terrorista de 11 de
setembro e a invasão do Iraque),
este repórter pode dizer que não
há nenhuma novidade no resto
das informações e imagens.
Mas é a maneira como Michael
Moore as reúne e principalmente
o motivo pelo qual ele faz isso que
tornam "Fahrenheit 11 de Setembro" um filme histórico. Tendencioso, parcial e mesmo mentiroso
em algumas partes, mas histórico.
Primeiro porque o autor assumiu que não se trata de um documentário, mas um libelo, cujo objetivo é tirar Bush da Casa Branca
nas eleições de novembro. Segundo porque, no atual equilíbrio de
forças entre conservadores e liberais nos EUA de hoje, com franco
predomínio dos primeiros, Moore é um mal necessário.
Dito isso, pode-se discutir as
qualidades do filme. São poucas.
Como cinema, mereceria o Oscar
de edição (ganhou a Palma de Ouro em Cannes). Diferentemente
dos outros documentários de
Moore, neste ele aparece pouquíssimo e apresenta poucas imagens
originais, captadas por ele.
Mesmo como libelo, há falhas.
Uma delas é o excesso de apelação
(uma marca de Moore já presente
no episódio Charlton Heston de
"Tiros em Columbine"), como
quando ele coloca a mãe do soldado morto em combate para chorar em frente à Casa Branca.
Outra é o extremo reacionarismo do próprio Moore, disfarçado
de "boa causa". Belicista, ele apóia
"nosso garotos" no Iraque. Chauvinista, demoniza os sauditas (demonização que a legendagem
brasileira corrobora sem querer,
ao errar na tradução e chamar todos simplesmente de "árabes").
Egocêntrico, como bem disse o
geógrafo Demétrio Magnoli, é incapaz de olhar além do próprio
umbigo ao sugerir que foi a ganância econômica da família
Bush que gerou os ataques de 11
de Setembro, e não anos e anos de
política externa intervencionista e
imperialista norte-americana.
Se os EUA estivessem sob um
governo democrata, este filme ganharia bola preta de avaliação
nesta crítica. Como o presidente
ainda é o republicano George W.
Bush, leva quatro estrelas.
Fahrenheit 11 de Setembro
Fahrenheit 9/11
Produção: EUA, 2003
Direção: Michael Moore
Quando: a partir de hoje no Bristol,
Espaço Unibanco, Jardim Sul e circuito
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