São Paulo, sábado, 30 de julho de 2005

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Diário da soviética Nina Lugovskaia, no qual relata as injustiças do stalinismo, é publicado após 68 anos

A tortura do silêncio

Divulgação
A soviética Nina Lugovskaia após ter saído do campo de prisioneiros de Kolyma, na ex-URSS


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Por quanto tempo pode uma adolescente, preso seu pai, furtar-se de confessar o ódio por aqueles que o prenderam? Por quanto tempo pode silenciar seus medos e aflições, embotados nos dedos e aglomerando-se na mente, diante da possibilidade de, a qualquer momento, pernas cobertas de botas invadirem sua porta, vasculharem sua casa, levarem também sua mãe, suas irmãs?
Nina Lugovskaia, uma garota soviética que viveu sob o regime de Stalin, não procurou sabê-lo. Na falta do pai, um preso político por oposição aos bolcheviques, na falta da mãe, que tinha de trabalhar o máximo que podia para sustentar as filhas, na falta das irmãs, preocupadas exclusivamente com música e meninos, Nina escreveu. Escreveu desenfreadamente, revelou amores e ódios, descreveu injustiças e hipocrisias, fez denúncias. Um inventário de dias e fatos, vidas e mortes, que agora vem à tona em edição brasileira, publicada pela Ediouro.
Um diário há muito tempo escondido. Quando, em janeiro de 1937, a NKVD, polícia secreta stalinista precursora da KGB, por fim esquadrinhou com mais afinco o apartamento da família, encontrou três grossos cadernos escritos à mão. Páginas e mais páginas rabiscadas durante pouco mais de quatro anos por uma menina que, quando tomou o lápis pela primeira vez com esse fim, tinha apenas 13 anos.
No mesmo dia, a NKVD não só os confiscou, como teve a paciência de lê-los inteiros, sublinhando as frases que lhe soassem revoltosas ou subversivas -marcas reproduzidas agora na edição. Com base nelas, obrigou Nina a assinar uma confissão em que dizia ter ficado "diante dos portões do Kremlin, esperando que Stalin saísse para atirar nele", e declarou sua prisão. Junto dela, foram mãe e irmãs, dirigidas ao campo de prisioneiros de Kolyma, a mais dura das prisões de Stalin.
Ali foram submetidas a trabalhos forçados por cinco anos. Depois, por mais cinco ficaram confinadas a Kolyma. Só em 1963, uma década após a morte do ditador, é que a sentença de Nina foi revogada, por falta de evidências.
Quanto a seu diário, demorou ainda mais para libertar-se. Anexado à ficha de seu pai, escondeu-se nos arquivos da polícia secreta até 1988, quando estes foram abertos. Foi a pesquisadora Irina Osipova, empenhada em averiguar tudo o que podia sobre a vida dos que exerceram oposição ao regime, que o descobriu. Publicado, agora chega aos olhos dos que queiram conhecer com minúcia esses sofridos dias de Nina.


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