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FÁBULA/"CACHORROS DO CÉU"
Bueno desarma expectativas morais
HEITOR FERRAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
O escritor Wilson Bueno
tem uma versatilidade com a
linguagem que o faz mergulhar
nos manejos e traquejos do estilo
do século 19, mixar uma língua
entre o português, o espanhol e o
guarani, como ainda dar estilo
-e graça- aos bichos de um engenhoso fabulário. Depois de lançar, ainda no ano passado, o romance "Amar-te a Ti nem Sei se
com Carícias", numa linguagem
passadista e crítica, o escritor e
poeta abre o bico dos bichos em
"Cachorros do Céu", que acaba de
sair pela Planeta, com ilustrações
de Ulysses Bôscolo.
Antes, porém, de comentar o
novo livro, é preciso dizer que não
é a primeira vez que Bueno busca
no reino da bicharada seus personagens. Em 1991, ele lançou o livro "Manual de Zoofilia". Depois,
em 1999, saiu "Jardim Zoológico".
Seguindo velha tradição literária e
popular, Bueno dá voz aos animais para poder abordar "a nossa
quase sempre insensata vida dita
humana", como ele mesmo comentou numa entrevista ao jornalista Marcelo Pen, crítico da Folha, no site Trópico.
Dizer que é o homem e a maneira como ele vive hoje que estão na
mira deste exímio caçador, cuja
arma é uma linguagem afinadíssima, seria bastante redutor e tornaria suas 23 fábulas menos interessantes. É importante dizer que
elas não têm nada do puxão de
orelha moralista de um La Fontaine, por exemplo. Em Bueno, o desejo é sacudir o leitor e desarmar
as expectativas moralizantes.
As histórias são contadas meio
que ao sabor da própria linguagem, que lança mão de pastiches e
ironias e, ao mesmo tempo, tem
sutilezas extremamente poéticas.
É como se o escritor se divertisse
ao contá-las e as fosse desenredando durante a própria escrita.
O acaso e a necessidade vão dirigindo o enredo.
É assim que, muitas vezes,
quando uma história -de um galo cantor, que se chamava Lindolf
e amava "sem conta, dia e noite,
noite e dia, frangas velhas e frangas novas", ou de uma formiga
chamada Ingrid, ou ainda de um
rato, o Rildo- vai descambando
para um tom demais filosófico, ou
vai ficando enroscada, um macaco, que incorpora a figura do bom
e velho malandro, surge em salvação, mudando o rumo de tudo.
Numa das fábulas, por exemplo,
a virada é total. O narrador fala de
uma lebre, "em cujo coração o
amor demais fincou badeiritas
agudas feito agulhas". Ela estava
apaixonada por Erivelto, o Gato,
mas morria de ciúmes, pois ele
muitas vezes a deixava para sair
com "as deslumbrosas da meia-noite, gatorrachas vadias de boquinha lamê". Quando a história
caminha para o tom melancólico,
com a lebre abandonada, o narrador entra em cena e diz: "Mas como fábula sem macaco não é fábula, apareceu o Macaco".
"Cachorros do Céu" mais uma
vez coloca em circulação o estilo
preciso e debochado deste escritor paranaense que, de certa forma, tem também um quê destes
macacos criados por ele: sempre
atento ao nosso mundo e ao da
"Floresta", balança e sacode os
galhos previsíveis da prosa brasileira contemporânea.
Heitor Ferraz é jornalista e autor de "Coisas Imediatas" (7 Letras)
Cachorros do Céu
Autor: Wilson Bueno
Editora: Planeta
Quanto: R$ 27 (96 págs.)
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