São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Homem com H (e como sou!)

Professor de filosofia de Harvard, que lança livro em defesa do macho feliz com sua condição, critica a onda metrossexual e vê declínio do feminismo

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

"Não há nada errado em olhar sua mulher fundo nos olhos e dizer, sem medo: "Sim, querida, em algumas situações, eu sou superior a você"." Quem diz isso não é Zeca Bordoada, personagem que era o estereótipo do machão popularizado pelo extinto "TV Pirata", mas um dos titulares de filosofia política de Harvard. Harvey Mansfield é autor de "Manliness" (masculinidade, da Yale University Press), em que defende os pontos da frase acima: homens são diferentes das mulheres, sim, em alguns aspectos superiores e deveriam ter orgulho disso. Ah, e o metrossexual é uma aberração da natureza e deveria morrer. Em seu lugar, o retrossexual. Seu recém-lançado livro abriu caminho para manifestações culturais que vão na mesma linha e pregam uma renascença, vá lá, do "machismo esclarecido" (veja nesta pág.). Polêmicas não são estranhas a esse professor de sociologia de 74 anos, que ensina em Harvard desde 1962 e se casou em 1979 com uma ex-estudante sua. Quando o ex-reitor Law- rence Summers anunciou que iria deixar seu cargo após uma série de brigas com diversos setores de universidade, ele foi um dos únicos a ir a público em defesa do amigo. Também foi das poucas vozes a defender o intrusivo programa de vigilância doméstica implantado pelo presidente George W. Bush. Na entrevista que deu à Folha, por telefone, Mansfield explica a teoria de "Manliness", de que vivemos numa sociedade "comum de dois gêneros", e por que isso é ruim.  

FOLHA - O sr. foi citado por um jornal dizendo: "Os homens devem parar de ter vergonha de ser homens". Como assim?
HARVEY MANSFIELD
- Os homens de hoje vivem numa sociedade comum de dois gêneros, em que o gênero deve importar o mínimo possível, portanto as diferenças entre os dois sexos são geralmente desprezadas e quase apagadas. Mas é uma característica do homem-macho que ele insista em seu sexo e nas características que acompanham seu gênero. Acredito, portanto, que a masculinidade bata de frente com essa sociedade. Esse é o motivo principal pelo qual escrevi o livro.

FOLHA - Como categorizaria o metrossexual dentro desta sociedade?
MANSFIELD
- O metrossexual é o oposto do homem-macho, ele enfatiza o homem sensível. O homem sensível tenta ser aceito pelas mulheres pela proximidade que tem com elas. O metrossexual quer agradar, enquanto o homem-macho nem percebe que há outras pessoas à sua volta. Ele nem pensa em que impressão pode passar fazendo as coisas de um jeito ou de outro. Ele não tenta ser aceito, ele está feliz de ser como é.

FOLHA - Artigos mencionam seu livro como a plataforma intelectual de um fenômeno que está sendo chamado de "dudelit". A "Time" o batizou de "menaissance". Existe mesmo esse movimento?
MANSFIELD
- Sim, acho o fenômeno interessantíssimo e gosto de ver que está ganhando espaço na mídia. Meu livro provocou muito mais respostas do que imaginava. Acho que a masculinidade está voltando à moda e que o feminismo está perdendo espaço. Com certeza as mulheres estão insistindo menos em viver em uma sociedade comum de dois gêneros.

FOLHA - Qual a diferença entre masculinidade e machismo?
MANSFIELD
- Acho que o machismo é uma masculinidade levada ao extremo e pelo que sei os latinos gostam de praticá-lo. Sou favorável ao machismo, porque acho que, para enfatizar uma idéia, às vezes é necessário exagerar um pouco. Mas é necessário fazer a distinção entre ser masculino e ser sexy, e acredito que os latinos nem sempre fazem essa distinção. Acho que Marcello Mastroianni era um homem sexy. Sexy no meu ponto de vista está mais próximo do conceito de homem sensível que do homem-macho. Acho que John Wayne seria um bom exemplo de como é o homem-macho, ele é muito masculino. É atraente para as mulheres, mas não parecia prestar atenção a isso.

FOLHA - Então um homem-macho seria aquele que acorda de manhã e não se olha no espelho, é isso?
MANSFIELD
- Exatamente.

FOLHA - O sr. concorda com analistas que dizem que existe uma propaganda feminista por trás do retrato dos homens na cultura atual?
MANSFIELD
- Sim, mas há algumas exceções. O programa de TV "Desperate Housewives", por exemplo, mostra bem os problemas dessa cultura dominada pelo feminismo. Diz que os homens e as mulheres são diferentes e o que acontece quando você tenta agir como se as diferenças não existissem. É diferente do modo como os homens eram retratados em "Sex and the City". Aquele programa era dominado pela propaganda feminista, que eu particularmente acho muito irritante.

FOLHA - Seu livro prega que as pessoas deveriam voltar a seus papéis tradicionais, "como a natureza queria". Também diz que as mulheres são inferiores aos homens em certos aspectos. O sr. quer dizer que os homens deveriam caçar e as mulheres deveriam ficar em casa procriando?
MANSFIELD
- Isso seria simples demais, já avançamos socialmente e biologicamente demais para isso. Vivemos em sociedades avançadas, que transformaram os papéis dos homens e das mulheres. As mulheres não podem ser tão tradicionais, precisam trabalhar para ajudar a sustentar as famílias. Mas as relações em casa estão confusas, é lá que a tradição precisa ser mais respeitada.

FOLHA - Sua mulher trabalha. O sr. faz algum trabalho doméstico?
MANSFIELD
- Sim, mas não muito. Mais do que gostaria [risos]. Eu lavo os pratos, tiro o lixo, mas essas são funções muito masculinas. Mas eu até lavo a roupa uma vez ou outra.

FOLHA - Quem é o homem da casa?
MANSFIELD
- Sou eu, mas é ela quem manda [risos].

NA INTERNET - Leia íntegra www.folha.com.br/062082


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