São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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"Resolvi enlouquecer no Dops", lembra Elke

Modelo foi presa nos 70, quando protestou contra morte do ativista Stuart Angel

Atitude é revista no filme "Zuzu Angel", em que Luana Piovani vive Elke Maravilha, enquanto a própria faz uma ponta, cantando em alemão

Gilvan Barreto/Folha Imagem
A atriz, modelo e cantora Elke Maravilha em sua casa no Leme, bairro do Rio; "é um altar", diz


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Atriz, modelo, cantora, madrinha de presidiários e de prostitutas, a múltipla Elke Maravilha se desdobra em "apenas" duas no filme "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende, que estréia na próxima sexta em 150 cinemas do país.
Elke é atriz e personagem no longa. Como atriz, vive uma cantora de quem a personagem central -a estilista Zuzu Angel (1921-76), que foi amiga de Elke na vida real- ouve, num show, a canção militar alemã "In den Kasernen" (nos quartéis).
"Minha cena perdeu um pouco na edição, porque a música toma força no final e foi cortada logo no começo", avalia Elke, sem tom de reclamação. "O importante é Zuzu Angel. Gosto muito do filme", pondera.
A personagem Elke Maravilha é interpretada em "Zuzu Angel" por Luana Piovani. É Luana, portanto, quem revive o protesto que Elke fez em defesa da memória de Stuart Angel Jones, o filho de Zuzu morto pela repressão da ditadura militar.
Elke viu espalhados pelo saguão do aeroporto cartazes que listavam Stuart Angel como "procurado". Era um estratagema oficial para negar sua morte e o ocultamento de seu corpo, que havia sido jogado ao mar.
Esbravejando contra a hipocrisia da atitude, Elke rasgou cartazes e foi então detida e encaminhada ao Dops (Delegacia de Ordem Política e Social).
No filme, o episódio termina aí. Em entrevista à Folha, Elke relembrou os seis dias que passou presa e sob interrogatório.
"Fui colocada com quatro subversivas e duas meninas reféns. Elas eram filhas de um subversivo e foram presas para forçá-lo a se entregar", diz.
Quando percebeu que "a barra estava bem pesada", Elke adotou uma estratégia: "Resolvi enlouquecer. Quando ia ser levada para interrogatório, eu pintava a sobrancelha com um lápis verde que tinha, desenhava uma boca imensa com batom e enchia a cara de rouge."
Além de desafiar pela aparência, a modelo procurava desconcertar os interrogadores com atitudes inconstantes. "Eu dava de inteligente, de burra, de maluca... Eles ficavam sem chão comigo, coitadinhos."
A reportagem pergunta se "coitadinhos" é uma força de expressão ou se Elke de fato sente pena dos repressores. Conhecedora do idioma grego, ela recorre à etimologia da palavra "tirano" para explicar seu sentimento: "Tirano em grego significa porteiro. Ou seja, o pequeno poder. O verdadeiro poder não mostra poder", diz.

Para a guerra
Feitas as contas, Elke estima que seus seis dias de detenção no Dops foram quase nada. "Meu pai viveu sob a ditadura de Stálin. Fui preparada para a guerra. O que são seis dias no Dops?", compara.
O pai de Elke, o russo George Grunupp, lutou ao lado da Finlândia, contra sua anexação pela União Soviética. Venceu a guerra, mas terminou perseguido pelo regime stalinista e escapou da morte mudando-se com a família para o Brasil.
Elke Grunupp tinha cinco anos quando chegou ao país e foi viver em Itabira, Minas Gerais, cidade de Carlos Drummond de Andrade.
"Uma vez o Drummond me disse: "Que coisa surreal você ser de Itabira!", conta Elke. Era uma observação do contraste entre a personalidade exuberante de Elke e o caráter reservado do itabirano, com seu "alheamento do que na vida é porosidade e comunicação", nas palavras do poeta.
"Fui bem educada, mas não adestrada", diz Elke. Deve ser isso que explica a presença nela de uma notória cortesia com seus interlocutores ao lado do modo desabrido de falar.
Na coletiva de imprensa organizada em São Paulo para divulgar o filme "Zuzu Angel", Elke foi a única entre todos os artistas a agradecer a massa de fotógrafos que os clicavam. Minutos depois, na mesa de entrevistas, lá estava ela elogiando o diretor do filme nos seguintes termos: "Você enfiou até o talo, Sérgio".
Seja num protesto contra a ditadura ou em declarações para jornalistas, Elke Maravilha não gosta de medir palavras nem conseqüências. "Foda-se. Não quero saber da ressaca. Quero saber do porre", resume.
Amiga da psiquiatra Nise da Silveira (1906-1999), a cantora/atriz/modelo diz que nunca fez terapia. "Nise dizia que nem precisava. Do jeito que era e me vestia, botava tudo para fora. Não ficava engolindo nada."
Aos 61 anos, Elke continua sendo e se vestindo do mesmo jeito. Com o show "Elke Canta", ela roda o país com banda de músicos e um repertório que vai de Pink Floyd a Alceu Valença. Num show na semana passada, quebrou o pé. Mas não cancelou sua agenda. "Estou sendo carregada feito uma rainha de Sabá. É ótimo", diz.


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