|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERREIRA GULLAR
Carisma
O fator de sedução atua tanto mais sobre o eleitor quanto menos este sabe do candidato
|
É TIDO como verdade indiscutível que o carisma é fator decisivo nas eleições: candidato
sem carisma está ferrado, e candidato carismático já tem mais que meio
caminho andado. Será verdade?
Não sei direito o que é carisma,
mas que ele existe, existe. Será um
charme, um magnetismo pessoal?
Parece não ter muito a ver com beleza física porque, do contrário, a
maioria dos políticos, homens e mulheres, não teria sido eleita. Enéas,
por exemplo, com aquela barba, não
poderia ter obtido a votação assombrosa que teve para deputado federal por São Paulo na última eleição.
Apesar da aparência, ou por causa
dela, seria carismático?
É difícil definir o carisma. Para
Max Weber, seria a capacidade que
têm certos líderes políticos de despertar a atenção das massas e conquistar o poder. No passado, o carisma era visto como uma espécie de
dom divino, e daí o carismático tomar-se como um predestinado que
veio ao mundo para salvá-lo ou, pelo
menos, salvar a pátria.
Em alguns casos, no entanto, mais
certo seria atribuir-lhe poderes diabólicos, a exemplo de figuras carismáticas como Hitler ou Mussolini.
Assim, pode-se concluir que o carisma, dependendo de quem o possua,
tanto pode ser um fator socialmente
positivo como o instrumento antidemocrático, uma vez que o líder carismático pode manipular a vontade
popular e usá-la contra os interesses
da nação.
Mas a pergunta que permanece é
se o que conduz o político ao poder é
apenas o carisma ou se esse é somente um dos fatores determinantes de sua ascensão. Como careço da
qualificação de cientista político, só
posso dar palpites; e meu palpite é
que o carisma não é tudo -do contrário, torna-se difícil explicar certas
coisas.
Por exemplo, Leonel Brizola e
Carlos Lacerda eram sem dúvida
personalidades carismáticas, que
marcaram presença na vida política
brasileira. No entanto, nenhum deles conseguiu o objetivo maior de
sua carreira política, que era eleger-se presidente da República. É verdade que ambos chegaram ao governo
estadual, mas não resta dúvida de
que, para isso, outros fatores atuaram de modo determinante. Se não
fosse assim, como se explicaria a
queda de popularidade de Brizola,
que, na última vez em que se candidatou à Presidência da República,
teve menos votos que Enéas?
Falemos agora do presente. Afirma-se que Lula é carismático, e
Alckmin não e seria tão destituído
de carisma que até o apelidaram de
picolé de chuchu, ou seja, não tem
cheiro nem sabor. Afirmou-se também que, nas eleições de 2002, Serra
não ganhara de Lula por lhe faltar
carisma; pior, além de não ser carismático, seria antipático.
Como explicar, então, que esse
mesmo Serra tenha sido eleito prefeito de São Paulo e que, no momento, lidere com ampla vantagem as
pesquisas para governador do Estado? Se o cara não tem carisma e ainda por cima inspira antipatia, fica difícil entender por que tanta gente
vota nele.
Que Lula tem carisma ninguém
discute. E a esse carisma se atribui
não apenas sua vitória sobre Serra,
em 2002, como a ampla vantagem
que mantém atualmente sobre
Alckmin nas pesquisas para as próximas eleições presidenciais.
Não obstante, como se explica que
esse mesmo líder carismático tenha
sido derrotado, nas eleições presidenciais, três vezes seguidas? Como
se explica que, em toda a segunda
metade no ano passado, até o mês de
dezembro, a preferência do eleitor
por ele tenha caído drasticamente, a
ponto de se dar por certa sua derrota
nas urnas? É que, durante aqueles
meses, ele perdeu o carisma? Então,
o carisma não seria uma qualidade
inerente à personalidade do político, mas uma aura inconstante, que
pode aparecer e desaparecer, ao sabor das circunstâncias.
Vamos agora ao Alckmin, o picolé
de chuchu. Se ele de fato não tem carisma e o carisma é o fator determinante do êxito eleitoral, como se explica que tenha sido eleito prefeito
de sua cidade aos 23 anos de idade,
depois deputado federal e que, após
substituir Mário Covas no governo
do Estado de São Paulo, tenha sido
reeleito governador? O que lhe falta,
creio, é demonstrar que fará um governo diferente e melhor que o de
Lula. E Heloísa Helena tem carisma
ou ganha voto pelo que diz e representa politicamente?
O carisma é um fator de sedução,
que atua tanto mais sobre o eleitor
quanto menos este sabe do candidato. Por isso, particularmente nestas
eleições, tem a mídia papel decisivo
para anular o carisma que por acaso
tenha a turma do mensalão e dos
sanguessugas, sem falar nos demais.
Texto Anterior: Exibição de clássicos Disney encerra festival Anima Mundi Próximo Texto: Cinema: Inácio Araujo abre inscrições para curso Índice
|