São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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FERREIRA GULLAR

Carisma


O fator de sedução atua tanto mais sobre o eleitor quanto menos este sabe do candidato

É TIDO como verdade indiscutível que o carisma é fator decisivo nas eleições: candidato sem carisma está ferrado, e candidato carismático já tem mais que meio caminho andado. Será verdade?
Não sei direito o que é carisma, mas que ele existe, existe. Será um charme, um magnetismo pessoal? Parece não ter muito a ver com beleza física porque, do contrário, a maioria dos políticos, homens e mulheres, não teria sido eleita. Enéas, por exemplo, com aquela barba, não poderia ter obtido a votação assombrosa que teve para deputado federal por São Paulo na última eleição. Apesar da aparência, ou por causa dela, seria carismático?
É difícil definir o carisma. Para Max Weber, seria a capacidade que têm certos líderes políticos de despertar a atenção das massas e conquistar o poder. No passado, o carisma era visto como uma espécie de dom divino, e daí o carismático tomar-se como um predestinado que veio ao mundo para salvá-lo ou, pelo menos, salvar a pátria.
Em alguns casos, no entanto, mais certo seria atribuir-lhe poderes diabólicos, a exemplo de figuras carismáticas como Hitler ou Mussolini. Assim, pode-se concluir que o carisma, dependendo de quem o possua, tanto pode ser um fator socialmente positivo como o instrumento antidemocrático, uma vez que o líder carismático pode manipular a vontade popular e usá-la contra os interesses da nação.
Mas a pergunta que permanece é se o que conduz o político ao poder é apenas o carisma ou se esse é somente um dos fatores determinantes de sua ascensão. Como careço da qualificação de cientista político, só posso dar palpites; e meu palpite é que o carisma não é tudo -do contrário, torna-se difícil explicar certas coisas.
Por exemplo, Leonel Brizola e Carlos Lacerda eram sem dúvida personalidades carismáticas, que marcaram presença na vida política brasileira. No entanto, nenhum deles conseguiu o objetivo maior de sua carreira política, que era eleger-se presidente da República. É verdade que ambos chegaram ao governo estadual, mas não resta dúvida de que, para isso, outros fatores atuaram de modo determinante. Se não fosse assim, como se explicaria a queda de popularidade de Brizola, que, na última vez em que se candidatou à Presidência da República, teve menos votos que Enéas?
Falemos agora do presente. Afirma-se que Lula é carismático, e Alckmin não e seria tão destituído de carisma que até o apelidaram de picolé de chuchu, ou seja, não tem cheiro nem sabor. Afirmou-se também que, nas eleições de 2002, Serra não ganhara de Lula por lhe faltar carisma; pior, além de não ser carismático, seria antipático.
Como explicar, então, que esse mesmo Serra tenha sido eleito prefeito de São Paulo e que, no momento, lidere com ampla vantagem as pesquisas para governador do Estado? Se o cara não tem carisma e ainda por cima inspira antipatia, fica difícil entender por que tanta gente vota nele.
Que Lula tem carisma ninguém discute. E a esse carisma se atribui não apenas sua vitória sobre Serra, em 2002, como a ampla vantagem que mantém atualmente sobre Alckmin nas pesquisas para as próximas eleições presidenciais.
Não obstante, como se explica que esse mesmo líder carismático tenha sido derrotado, nas eleições presidenciais, três vezes seguidas? Como se explica que, em toda a segunda metade no ano passado, até o mês de dezembro, a preferência do eleitor por ele tenha caído drasticamente, a ponto de se dar por certa sua derrota nas urnas? É que, durante aqueles meses, ele perdeu o carisma? Então, o carisma não seria uma qualidade inerente à personalidade do político, mas uma aura inconstante, que pode aparecer e desaparecer, ao sabor das circunstâncias.
Vamos agora ao Alckmin, o picolé de chuchu. Se ele de fato não tem carisma e o carisma é o fator determinante do êxito eleitoral, como se explica que tenha sido eleito prefeito de sua cidade aos 23 anos de idade, depois deputado federal e que, após substituir Mário Covas no governo do Estado de São Paulo, tenha sido reeleito governador? O que lhe falta, creio, é demonstrar que fará um governo diferente e melhor que o de Lula. E Heloísa Helena tem carisma ou ganha voto pelo que diz e representa politicamente?
O carisma é um fator de sedução, que atua tanto mais sobre o eleitor quanto menos este sabe do candidato. Por isso, particularmente nestas eleições, tem a mídia papel decisivo para anular o carisma que por acaso tenha a turma do mensalão e dos sanguessugas, sem falar nos demais.


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