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Ataque à blogosfera
"Anticristo" entre os blogueiros,
historiador britânico Andrew Keen
diz em livro que a internet está
matando a cultura e critica sites
como YouTube e Wikipedia
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
George Orwell não entendeu
o futuro. Em seu clássico
"1984", o escritor temia pelo
desaparecimento do direito à
expressão individual, mas, no
atual mundo da internet, o verdadeiro horror é justamente o
oposto: a abundância de autores e de opiniões.
O raciocínio é do historiador
britânico Andrew Keen, 46, ex-professor das universidades de
Massachusetts e Berkeley
(EUA) e um dos pioneiros do
Vale do Silício, que na primeira
onda da internet fundou o site
de música Audiocafe.com.
Keen tornou-se um dos líderes da crítica à internet graças a
seu livro "The Cult of the Amateur: How Today's Internet Is
Killing Our Culture" (o culto ao
amador: como a internet de hoje está matando nossa cultura),
recém-lançado no exterior e
ainda sem edição no Brasil.
Sua cruzada não é contra a
tecnologia em si, mas contra a
revolução da segunda geração
da internet, a web 2.0, baseada
na interatividade e no conteúdo gerado pelos usuários, cujos
marcos são os blogs e sites como o YouTube e a Wikipedia
-que, segundo Keen, estão gerando "menos cultura, menos
notícias confiáveis e um caos de
informações inúteis".
Graças ao livro, Keen tornou-se uma espécie de anticristo
entre os blogueiros, sendo chamado desde "prostituta das
grandes corporações" até "um
mastodonte rosnando contra
os ventos da mudança".
Em entrevista à Folha por
telefone, ele explicou suas
idéias e por que, mesmo com
toda sua crítica, tem um blog.
FOLHA - O sr. fala em "darwinismo
digital" para descrever o funcionamento dos blogs.
ANDREW KEEN - Sim, é a sobrevivência do mais adaptado, o que,
no caso dos blogs, significa os
que escrevem mais. A blogosfera é muito competitiva e masculina, é um jogo em que, para
você ganhar, alguém tem que
perder. Não é lugar para conversas ponderadas.
FOLHA - O sr. também vê um resquício da cultura hippie na web 2.0?
KEEN - Há um legado hippie na
filosofia libertária da blogosfera, no desprezo à autoridade, à
mídia tradicional. Acho que a
autoridade do Estado, da mídia,
são coisas que devemos prezar,
porque têm valores significantes que, se minados, criariam a
anarquia. A rejeição da autoridade vista nos blogs não é progressista, é anarquista.
FOLHA - Mas o sr. é contra experiências como o Creative Commons
[sistema de licenciamento de obras
artísticas pela internet]?
KEEN - Acho que é um movimento que inclui moderados e
radicais. Eu o respeito, mas temo que ele esteja desvalorizando a credibilidade da propriedade intelectual. Acho que a
idéia funciona quando você é
um sofisticado professor de direito como Larry Lessig [criador do Creative Commons],
mas me preocupa que as pessoas se apóiem em um conceito
como o que ele criou para roubar idéias alheias, me inquieta
essa permissividade geral em
relação aos direitos autorais,
em especial entre os jovens.
FOLHA - É isso que causa o que o sr.
chama de "assalto à economia"?
KEEN - Talvez eu tenha estabelecido, no livro, muita causalidade entre a ascensão da nova
mídia e o declínio da tradicional. As novas mídias são uma
das causas do declínio, mas a
indústria de música, os estúdios de Hollywood, os grandes
jornais e TVs têm outros problemas. Dito isso, acho que deveríamos prezar pela existência
de mídia tradicional.
FOLHA - Mas não é apenas a falta
de adaptação às novas tecnologias
que prejudica a mídia tradicional?
KEEN - Não me oponho à tecnologia, entendo que ela sempre muda tudo e que temos que
mudar com ela. Mas nem todo
avanço tecnológico é bom e, em
algumas circunstâncias, pode
ser bom gerenciar ou conter as
mudanças tecnológicas, se elas
minam a sociedade. A Escola de
Frankfurt se mostrou correta,
emburrecemos nossa cultura e
me preocupa que a internet
continue fazendo isso, acabando com nossa vitalidade cívica e
com a economia do entretenimento e da informação.
FOLHA - Por que a "democratização da internet" é falaciosa?
KEEN - Porque há novos oligopólios anônimos na rede, nos
jogos on-line, nos pequenos
grupos de ativistas que editam
a Wikipedia, nos poucos blogueiros que dominam a maior
parte dos acessos entre os 70
milhões de blogs. Não vejo como a web 2.0 está democratizando a mídia, acho que acontece o oposto: a mídia tradicional fornece informação de qualidade acessível às massas e não
acho que a segunda geração da
web esteja reproduzindo isso.
FOLHA - O fato de o sr. ter um blog
não é paradoxal?
KEEN - Tenho blog para vender
o livro e construir minha marca. A internet é uma grande plataforma de marketing, mas é
preciso ter algo por trás. Meu livro não defende que as pessoas
não tenham blogs, apenas que
não finjam que são substitutos
da mídia tradicional ou representantes de fontes de informação confiáveis sobre o mundo. Como as pessoas saberiam da crise aérea brasileira, por
exemplo, sem jornalistas profissionais? Iam ter de se basear
em blogueiros, que podem ser
representantes das companhias aéreas ou do governo?
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