São Paulo, segunda-feira, 30 de julho de 2007

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GUILHERME WISNIK

Forma resistente


O crítico Rodrigo Naves ajudou a formar parte da melhor arte brasileira das últimas décadas

"NÃO HÁ como prescindir de uma aguda noção de forma e de experiência se quisermos manter a pertinência das artes."
Com essa tese, Rodrigo Naves procura se contrapor ao antiformalismo dominante na arte contemporânea e à constatação filosófica (hipercrítica ou conformista) de que o mundo se converteu em imagens, tornando-se um rumor distante e incapaz de nos proporcionar qualquer experiência transformadora.
É o permanente exercício de lucidez combativa em meio à crise das artes que anima o livro "O Vento e o Moinho" (Companhia das Letras, 536 págs., R$ 59,50), obra que reúne 30 anos da produção deste que é reconhecidamente um dos mais importantes críticos de arte do país.
Naves integra uma geração de pensadores que ajudou decisivamente a formar parte expressiva da melhor arte brasileira das últimas décadas, consolidando um debate público de alto nível em torno dela. Pode-se dizer mesmo que, num meio incipiente e precário como o das artes plásticas no Brasil até os anos 80, essa crítica foi o "lugar" em que os trabalhos de arte puderam de fato acontecer. Daí a importância das recentes coletâneas de ensaios de Ronaldo Brito, Paulo Sérgio Duarte e Rodrigo Naves sobre a produção contemporânea.
O livro, portanto, tem um andamento dúbio. De um lado, encontramos o admirável esforço de diálogo, profundamente empático mas não condescendente com as obras de artistas escolhidos por afinidade. De outro, considerações mais gerais, de caráter teórico, sobre a atual superficialidade da arte, conformada em apenas tematizar a realidade a partir de ângulos parciais (étnicos, sexuais, políticos, antropológicos), sem que os trabalhos ajam como forças internas ao mundo que deveriam fender.
Como se vê, trata-se de uma tarefa crítica complexa e abrangente. Feitas as contas, seu balanço condena as tentativas "bem intencionadas" de se fazer uma arte engajada, turbinada pela onda multiculturalista, preferindo apostar em vertentes artísticas que procuram criar novos modos de espessamento da experiência através da simbolização, como é o caso de Tunga, Nuno Ramos e Nelson Felix, na esteira das investigações abertas por Joseph Beuys.
Se para a arte moderna a superfície da obra era um campo de jogo que, de alguma forma, replicava e expandia o caráter agônico do mundo (disputas, revoluções), as tendências simbólicas contemporâneas atestam mudanças significativas na dinâmica social: o desaparecimento do trabalho em paralelo ao crescimento da informalidade e à financeirização do capital, a onipresença da mídia etc., reduzindo drasticamente a possibilidade de dissenso no interior da sociedade.
Nesse mundo colonizado e sem fraturas, diz o autor, não é de se estranhar que alguns artistas tenham abdicado daquela visibilidade poderosa para ir buscar na interioridade da matéria dimensões vitais ainda não comprometidas pelo uso instrumental. Dimensões ocultas que, pela suspensão do sentido, podem figurar outros "mundos", capazes ainda de pressionar o existente.


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