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NELSON ASCHER
Visita ao museu
Depois de visitar uma
instituição assim, eu novamente prometo pôr em dia minha leitura
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UMA DAS vantagens de não ser
crítico ou historiador de arte
é poder retornar inocentemente, por puro prazer, a museus
como o Metropolitan de Nova York.
O não-especialista pode, ao contrário do profissional, ir direto a uma
tela favorita de Van Eyck, visitar em
seguida o pátio espanhol ou o templo egípcio, deter-se diante de vitrais
medievais, admirar armamentos renascentistas e assim por diante, sem
ter que dar satisfação a ninguém,
nem à sua consciência. Ou seja, para
um leigo como eu, museus são antes
um espaço de liberdade e prazer.
É claro que, quanto mais se saiba a
respeito das obras a serem vistas,
mais intenso e concentrado é o prazer que elas nos oferecem. É por isso
que, depois de visitar longamente alguma instituição assim, eu novamente prometo pôr em dia minha
leitura acerca, digamos, do maneirismo ou do impressionismo e juro
que, tão logo volte para casa, vou
também terminar os livros do Gombrich, do Panofsky, ou mergulhar na
biografia do Goya publicada recentemente pelo Robert Hughes.
E tudo mais ou menos em vão.
Pois distante da força gravitacional
das obras, outras leituras, aparentemente mais urgentes, se interpõem,
exigindo minha atenção. O acordo
ao qual acabo chegando comigo
mesmo é o de deixar os textos acima
para serem lidos um ou dois meses
antes da próxima viagem. Mas, por
um período semelhante depois de
ter percorrido um acervo como o de
cima, o fascínio que esse exerce ainda é o bastante para que eu leia uma
boa meia dúzia de ensaios pertinentes e vá aos poucos agregando na
mente outros tantos miligramas de
informação que, um dia, talvez me
sejam úteis (e, se não forem, já me
entretêm agora).
Quando jovem e arrogante, eu dividia o público de museus em duas
categorias: uma minoria de estetas
que estava lá porque gostava sinceramente de arte e a massa de turistas que só estavam batendo ponto,
fosse por orientação do "Michelin"
ou do "Fodor's", fosse por medo de,
voltando à terra natal, serem considerados sacoleiros incultos. Tal divisão já não me satisfaz. Se não a maioria, pelo menos boa parte das pessoas que passeavam pelo Metropolitan parecia ser gente local, jovens, adultos e idosos que o visitavam sozinhos e, ao que tudo indicava, nem
pela primeira, nem pela última vez.
É igualmente uma boa aposta a de
que, em geral, essa gente não tem
doutoramento em artes plásticas ou
estética, não passa o restante de seu
tempo debruçada sobre tratados
eruditos, não saberia discorrer sobre as técnicas utilizadas na elaboração daquela estátua de bronze, nem conseguiria explicitar as linhas de
força que ligam esta escola às demais. Algo, porém, os, ou melhor,
nos leva até lá. Como a "beleza" é um
conceito que, há mais de um século,
ninguém minimamente prudente
manuseia sem pinças e luvas de borracha, convém vasculhar o vocabulário em busca de outros. "Accomplishment" (algo como: "nível de
realização") é um termo capaz de indicar o que é que torna compulsivamente atraente uma criação humana. E, no caso das artes plásticas, tal
"accomplishment" se torna não raro
particularmente visível (é óbvio),
ainda que o observador não consiga
formular no que é que isso consiste.
Se há algo que, hoje em dia, torna
necessária a visualização de "accomplishments" similares, é o fato de
que, sendo produto de ciências e técnicas especializadas, a natureza das
realizações do mundo atual permanece invisível para quase todos. Desfrutamos dos resultados, mas não
entrevemos nem vestígio das "pinceladas" que os tornaram factíveis, e
isso por várias razões, entre as quais
a de que a verdadeira realização não
se encontra onde muitos a buscam.
O que aponta para o nível mais alto
de realização do Ocidente, a pequena maravilha (inclusive de design)
que é o iPod ou a barulheira confusa
e repetitiva com a qual os ouvintes
lhe preenchem a memória?
O vínculo entre intenção, concepção e resultado que até um vaso grego do período arcaico ou a escrivaninha de um aristocrata francês do século 18 exibem é o que reassegura
aos freqüentadores de museus que o
que chamamos de civilização não é
conseqüência nem do acaso, nem da
magia negra, mas, sim, de inteligência, talento e suor. E há, para completar ou coroar essa experiência ou
constatação, a dimensão temporal.
A perspectiva criada pela justaposição de obras e objetos provenientes
de distintas culturas e épocas é o
que, inconscientemente, às vezes,
permite que nos situemos em relação a tudo que nos cerca. A profundidade resultante não é uma ilusão
de ótica, mas a autêntica materialização epifânica da história viva que
somos.
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