São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
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CINEMA - "MARIO"
Filme aborda o "mirar sem fim", diz diretor

PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha

O diretor cearense Hermano Penna lança em São Paulo o seu "Mario", um filme que faz um balanço sobre as várias influências que sofreu, do cinema norte-americano ao europeu.
Formado em fotografia e ex-professor de literatura, Penna dirigiu mais de 30 documentários, muitos deles exibidos no "Globo Repórter" dos anos 70. Não se acanhou em adaptar, nos anos 80, "Sargento Getúlio", de João Ubaldo Ribeiro, seu longa de maior sucesso. Outro filme -"Fronteira das Almas"- lembra a história do personagem Mario, encarnado por Jairo Mattos.
Contando a história de um paulistano que larga a medicina e se embrenha na Amazônia em busca dele próprio, "Mario" tem a ver com a vida do cineasta. "Nasci no Ceará, morei na Bahia, me formei em Brasília e acabei me fixando em São Paulo. Nesse tempo, nunca parei num lugar e viajei por todo o país. Mas, ao passar pela terceira vez na mesma cidade (Alta Floresta, no Mato Grosso), vi que era hora de parar", disse à Folha.

Folha - Por que "Mario" levou tanto tempo ser concluído?
Hermano Penna -
De fato, iniciei o projeto em 95, tendo idéia de filmar as sequências em São Paulo e as cenas internas em Paulínia, interior do Estado, pois não queria expor a equipe às doenças e perigos da floresta. Deixaria, então, para concluir as filmagens na própria Amazônia, mais tarde. A falta de dinheiro, contudo, atrasou por dois anos sua conclusão. Só mais tarde pude filmar em Juína (cidade a 800 km de Cuiabá).

Folha - O interior do país é uma constante em seus filmes. "Mario" surgiu disso?
Penna -
Das muitas viagens que fiz por este país, fui me interessando pelos costumes de cada região e conhecendo pessoas. Quando filmei "Fronteira das Almas", tive contato com homens como Mario, que largaram um passado para arriscar uma vida em ambiente estranho. É o tal exílio social, o auto-exílio só possível num país do tamanho do Brasil. Daí, resolvi, já em 92, rascunhar um roteiro.

Folha - Você já adaptou um livro de Ubaldo Ribeiro. O que é mais difícil, no caso: adaptar um texto previamente escrito ou roteirizar as próprias idéias?
Penna -
Adaptar uma obra literária é bem mais fácil. Os atores, as situações já estão lá. Basta fazer as devidas modificações. Já partir do zero significa o árduo trabalho de criar situações e personagens plausíveis, com a devida verossimilhança.

Folha - E aquela cena surreal em que os protagonistas encontram uma comunidade exótica e violenta?
Penna -
Esta sequência é uma referência que fiz ao exército de Marlon Brando em "Apocalypse Now", de Coppola.

Folha - Francis Ford Coppola não seria a única influência.
Penna -
O cinema americano e o europeu sempre me instigaram muito. Até meus 16 anos, só assisti tais filmes. Nunca me esqueço de que, nesta idade, em 1961, fui a um cinema-poeira na Bahia para ver um faroeste com Gregory Peck. O filme-complemento era "Túmulo do Sol", de Nagisa Oshima. Daí conheci o rigor de Jean-Luc Godard e me embrenhei nos filmes de Glauber, Bressane etc.

Folha - Eles são cineastas muito políticos. "Sargento Getúlio" também o é, quase como o oposto de "Mario", que parece um tanto despolitizado.
Penna -
O que "Mario" fala é sobre a única saída que nós, brasileiros, temos agora, que é a de observar, a de ver as coisas para tentar entendê-las, o "mirar sem fim". Por isso a câmera termina focalizando o vazio.

Folha - Em todos os seus filmes, não há imobilidade, só o constante movimento dos personagens.
Penna -
Sim, pois têm muito a ver comigo. Viajei tanto que, certa vez, brinquei com meu filho falando que, se não fosse cineasta, seria fiscal de estradas.

Folha - Você filmou poucos longas porque viajava muito?
Penna -
Não. Na verdade, a falta de dinheiro é que impossibilitou outros projetos. Lembro-me, a propósito, de Godard, que disse que a experiência levava à qualidade. E é esse o grande problema que eu e a maioria de meus colegas temos no Brasil, sem condições para filmarmos assiduamente. As pequenas falhas que a prática resolve custam a desaparecer. Esse é o lado um pouco cruel de se fazer cinema no Brasil.


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