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CINEMA - "MARIO"
Filme aborda o "mirar sem fim", diz diretor
PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha
O diretor cearense Hermano
Penna lança em São Paulo o seu
"Mario", um filme que faz um balanço sobre as várias influências
que sofreu, do cinema norte-americano ao europeu.
Formado em fotografia e ex-professor de literatura, Penna dirigiu mais de 30 documentários,
muitos deles exibidos no "Globo
Repórter" dos anos 70. Não se
acanhou em adaptar, nos anos 80,
"Sargento Getúlio", de João Ubaldo Ribeiro, seu longa de maior sucesso. Outro filme -"Fronteira
das Almas"- lembra a história
do personagem Mario, encarnado por Jairo Mattos.
Contando a história de um paulistano que larga a medicina e se
embrenha na Amazônia em busca dele próprio, "Mario" tem a ver
com a vida do cineasta. "Nasci no
Ceará, morei na Bahia, me formei
em Brasília e acabei me fixando
em São Paulo. Nesse tempo, nunca parei num lugar e viajei por todo o país. Mas, ao passar pela terceira vez na mesma cidade (Alta
Floresta, no Mato Grosso), vi que
era hora de parar", disse à Folha.
Folha - Por que "Mario" levou
tanto tempo ser concluído?
Hermano Penna - De fato, iniciei o projeto em 95, tendo idéia
de filmar as sequências em São
Paulo e as cenas internas em Paulínia, interior do Estado, pois não
queria expor a equipe às doenças
e perigos da floresta. Deixaria, então, para concluir as filmagens na
própria Amazônia, mais tarde. A
falta de dinheiro, contudo, atrasou por dois anos sua conclusão.
Só mais tarde pude filmar em Juína (cidade a 800 km de Cuiabá).
Folha - O interior do país é
uma constante em seus filmes.
"Mario" surgiu disso?
Penna - Das muitas viagens que
fiz por este país, fui me interessando pelos costumes de cada região e conhecendo pessoas.
Quando filmei "Fronteira das Almas", tive contato com homens
como Mario, que largaram um
passado para arriscar uma vida
em ambiente estranho. É o tal exílio social, o auto-exílio só possível
num país do tamanho do Brasil.
Daí, resolvi, já em 92, rascunhar
um roteiro.
Folha - Você já adaptou um livro de Ubaldo Ribeiro. O que é
mais difícil, no caso: adaptar um
texto previamente escrito ou roteirizar as próprias idéias?
Penna - Adaptar uma obra literária é bem mais fácil. Os atores,
as situações já estão lá. Basta fazer
as devidas modificações. Já partir
do zero significa o árduo trabalho
de criar situações e personagens
plausíveis, com a devida verossimilhança.
Folha - E aquela cena surreal
em que os protagonistas encontram uma comunidade exótica e
violenta?
Penna - Esta sequência é uma
referência que fiz ao exército de
Marlon Brando em "Apocalypse
Now", de Coppola.
Folha - Francis Ford Coppola
não seria a única influência.
Penna - O cinema americano e
o europeu sempre me instigaram
muito. Até meus 16 anos, só assisti
tais filmes. Nunca me esqueço de
que, nesta idade, em 1961, fui a um
cinema-poeira na Bahia para ver
um faroeste com Gregory Peck. O
filme-complemento era "Túmulo
do Sol", de Nagisa Oshima. Daí
conheci o rigor de Jean-Luc Godard e me embrenhei nos filmes
de Glauber, Bressane etc.
Folha - Eles são cineastas muito políticos. "Sargento Getúlio"
também o é, quase como o
oposto de "Mario", que parece
um tanto despolitizado.
Penna - O que "Mario" fala é sobre a única saída que nós, brasileiros, temos agora, que é a de observar, a de ver as coisas para tentar
entendê-las, o "mirar sem fim".
Por isso a câmera termina focalizando o vazio.
Folha - Em todos os seus filmes, não há imobilidade, só o
constante movimento dos personagens.
Penna - Sim, pois têm muito a
ver comigo. Viajei tanto que, certa
vez, brinquei com meu filho falando que, se não fosse cineasta,
seria fiscal de estradas.
Folha - Você filmou poucos
longas porque viajava muito?
Penna -Não. Na verdade, a falta
de dinheiro é que impossibilitou
outros projetos. Lembro-me, a
propósito, de Godard, que disse
que a experiência levava à qualidade. E é esse o grande problema
que eu e a maioria de meus colegas temos no Brasil, sem condições para filmarmos assiduamente. As pequenas falhas que a prática resolve custam a desaparecer.
Esse é o lado um pouco cruel de se
fazer cinema no Brasil.
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