São Paulo, Segunda-feira, 30 de Agosto de 1999
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Igrejas já controlam um terço das rádios de SP

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Equipe da Melodia, do Rio, emissora que chega a SP na quarta


DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

 "O que eu vos digo às escuras, dizei-o às claras. O que eu vos digo ao ouvido, pregai-o sobre os telhados."
(Mateus, capítulo 10, versículo 27)

Com uma interpretação contemporânea da mensagem bíblica acima, o pastor Juanribe Pagliarin, 44, inaugura depois de amanhã aquilo que poderia ser chamado de rodovia eletrônica da fé.
É quando ele coloca no ar a Melodia FM (97,3 MHz). Com a nova emissora -a quinta FM evangélica de São Paulo-, Pagliarin vislumbra a possibilidade de ir de carro de São Paulo ao Rio, pela via Dutra, ouvindo a mesma FM.
A Melodia de São Paulo vai retransmitir, via satélite, a programação da Melodia do Rio, que ocupa a mesma frequência, 97,3 MHz. Segundo Pagliarin, a Melodia do Rio, terceiro lugar no ranking de audiência carioca, pode ser captada até na divisa com São Paulo. O sinal da Melodia paulista ultrapassa o Vale do Paraíba.
O arrendamento por quatro anos da frequência 97,3 MHz (até amanhã ocupada pela Tupi FM, que migra na quarta para os 104,1 MHz) significa um passo enorme para a Comunidade Cristã Paz e Vida, igreja evangélica fundada em 1982, na avenida Rio Branco, no centro de São Paulo. Mas só em 96, quando Pagliarin abandonou a publicidade para se dedicar 24 horas por dia a Deus, a igreja se expandiu. Hoje conta com 86 templos na Grande São Paulo.
Com a rodovia da fé, o pastor Pagliarin abre caminho até o Rio de Janeiro, onde em breve irá abrir uma igreja da Paz e Vida.
Para viabilizar sua emissora em São Paulo, o pastor fez uma parceria de fé e negócios com o deputado federal Francisco Silva (PPB-RJ), secretário estadual da Habitação do Rio de Janeiro.
Silva é dono da Melodia carioca e vai passar a Pagliarin o "know-how" gospel que faz sucesso no Rio. No campo da fé, ele está se desligando da Congregação Cristã no Brasil para estruturar a Paz e Vida no Estado do Rio de Janeiro.
A parábola da rodovia eletrônica da fé é falaciosa -na verdade, seria necessária mais uma emissora na divisa dos dois Estados para se cobrir toda a via Dutra. Mas é emblemática de um fenômeno dos anos 90: a exploração das emissoras de rádio (AM e FM) e de TV por igrejas evangélicas e pentecostais.
Em São Paulo, estimuladas pela crise financeira que atinge o rádio, primeiro as igrejas tomaram as emissoras de AM. Hoje, de 29 emissoras AM em operação na Grande São Paulo, 15 -ou 51,7% do total- têm algum vínculo com o cristianismo.
Entre essas 15, 10 são ligadas a evangélicos, das quais 7 têm suas programações totalmente controladas por igrejas evangélicas. As outras três são a Record (da Universal, que tem programação popular durante o dia e religiosa à noite), a Morada do Sol e a Nova Difusora, que alugam horários para várias igrejas.
Das outras cinco emissoras, três são da Igreja Católica (América, Imaculada Conceição e Nove de Julho) e outras duas pertencem a organizações -a LBV e a Fundação Espírita André Luiz- que, apesar de serem entidades filantrópicas, têm sólida orientação religiosa e filosófica.
Somadas as AMs e as FMs sob controle de igrejas, já são 20 emissoras na Grande São Paulo, ou 32,7% do total de 61 estações. Das 32 FMs, os evangélicos já estão em 15,6% delas (5).
Essa conta desconsidera as cerca de 250 rádios piratas evangélicas da Grande São Paulo -até mesmo as de grande potência, como a 94,1 FM, locada pela igreja Deus É Amor. Em algumas regiões da cidade, é impossível não virar o dial sem ouvir algum pastor ou o hit "Rompendo em Fé".

Fenômeno
A Igreja Pentecostal Deus É Amor aluga espaço em emissoras há quase 40 anos, mas só nos anos 80 os evangélicos seguiram os católicos e passaram a comprar e arrendar emissoras.
Em FM, o fenômeno é recente, do começo desta década, mas só neste ano é que se registra um "boom" evangélico. Até o final do ano passado, apenas duas FMs eram cristãs: a Manchete Gospel, arrendada pela Renascer, e a Aleluia FM, da Universal.
No início de 99, a Igreja Internacional da Graça arrendou por um ano a Ômega. Há 90 dias, foi a vez de a Musical (até então 100% MPB) se deixar seduzir pelo poder do dízimo. Depois de amanhã, chega a Melodia.
A tendência, segundo especialistas e religiosos, é a fatia das igrejas no dial FM crescer ainda mais. Atualmente, a Universal negocia a compra de uma outra FM, com fins comerciais. Na mira dos homens de Deus estão a Líder (92,1 MHz), a Imprensa (102,5 MHz) e até a Capital AM (1.040 kHz).



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