São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

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FESTIVAL DO RIO BR

Filmagens de "Bonaerense" tiveram de ser interrompidas por falta de dinheiro provocada pela crise

Trapero desvenda a periferia argentina

IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Para fazer um filme que retratasse a burocracia e a corrupção policial na Grande Buenos Aires, o diretor argentino Pablo Trapero entrou numa delegacia e disse que tinha sido roubado. Tudo mentira. Tratava-se apenas de parte da pesquisa "in loco" do diretor. "Queria ver como era tratado por eles", afirma o cineasta.
Parece ter dado certo. "Bonaerense" está em sua segunda semana em Buenos Aires e causa curiosas reações opostas. Os bonaerenses (habitantes da província) acham que é comédia. Os portenhos (nascidos na capital), que é drama. De qualquer forma, é um sucesso no país. Foi visto por 53 mil espectadores na Grande Buenos Aires na primeira semana, ficando atrás apenas de "Insônia", com Al Pacino.
Aos 30 anos e já respeitado por sua fita de estréia, "Mundo Grúa" (1999), Trapero teve sérias dificuldades econômicas para realizar "Bonaerense", nome com que são conhecidos os habitantes da Província e os policiais da região.
Filho de um vendedor de carburadores, Trapero nasceu e foi criado na periferia que retrata. Sua família está toda no filme. A avó faz a mãe do personagem principal. O pai é um cliente que reclama de uma chave mal copiada e a mãe é uma corretora de imóveis.
Em visita ao Festival do Rio BR 2002, Trapero concedeu a seguinte entrevista à Folha.

Folha - Seus dois filmes retratam a população pobre da zona oeste de Buenos Aires. Por que esse assunto?
Pablo Trapero -
Primeiro porque me interessa o tema. Em "Bonaerense", o personagem Zapa vira um policial porque precisa de um trabalho e sua vida se transforma. Retrato a periferia porque vim de lá, da zona oeste da Grande Buenos Aires. Na Argentina, sempre se mostra a Patagônia ou os cafés europeus, mas me interessa o outro lado. A forma de viver da periferia é muito diferente.

Folha - Diferente como?
Trapero -
O pessoal da capital trata os outros como índios. Há postos policiais nas avenidas do limite da cidade para, de certa forma, controlar quem vive na periferia. O filme está causando reações bem diferentes. Nas sessões da periferia, não param de rir, tratam o filme como comédia. Na capital, acham que é um drama.

Folha - Você criou tudo ou pesquisou as delegacias?
Trapero -
O primeiro roteiro eu criei. Mas depois comecei a investigar. Às vezes parava um policial na rua e pedia fogo só para conversar qualquer coisa. Reclamei na delegacia que perdi documento para entrar lá, por exemplo.

Folha - Mas não tinha perdido mesmo?
Trapero -
Não. Queria ver como era tratado. Mais tarde, fiz um contato oficial para poder filmar em delegacias verdadeiras, usar uniformes e carros de polícia.

Folha - O que os bonaerenses acharam do seu filme?
Trapero -
Há duas opiniões. O policial de rua adorou. Certa noite, vi quatro policiais uniformizados saindo do cinema. Já os oficiais disseram que as coisas que mostrei, como corrupção e burocracia, não são verdade. O mais incrível é que as notícias dos jornais sobre a polícia são dez vezes piores que o filme.

Folha - Como a crise argentina afetou a produção?
Trapero -
As filmagens começaram em dezembro. Dois dias antes, aconteceu a crise. Meus 300 mil pesos, que valiam US$ 300 mil, passaram a valer US$ 100 mil. Para piorar, não se podia sacar o dinheiro. O que fazer? Juntamos o dinheiro que estava na carteira de toda a equipe -deu uns 5.000 ou 10 mil pesos- e filmamos a primeira semana. Fiquei devendo para todos. Só conseguimos continuar dois meses depois.


BONAERENSE - El Bonaerense. Direção: Pablo Trapero. Argentina, 2002. Quando: amanhã, às 14h30 e às 19h30, no Estação Barra Point (site oficial: www.festivaldorio.br.com.br).

O jornalista Ivan Finotti viajou ao Rio a convite do Festival do Rio BR



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