São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 2005

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CINEMA/"VLADO"

João Batista de Andrade, amigo pessoal do jornalista, investiga o assassinato pela ditadura militar

Documentário revisita o martírio de Herzog

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Vlado - 30 Anos Depois", sobre a vida e a morte do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), é um filme que precisava ser feito, e João Batista de Andrade (diretor, entre outros, de "Doramundo" e "O Homem que Virou Suco") era o homem certo para fazê-lo.
Amigo pessoal, companheiro político e colega de trabalho de Herzog, Batista talvez tenha demorado tanto tempo para dar cabo da tarefa justamente por estar demasiado envolvido com o tema. Trinta anos depois, consegue, se não distanciamento, pelo menos certa serenidade -não isenta de afeto e indignação- para encarar os fatos.
Como todo mundo sabe, Vladimir Herzog, que trabalhava então na TV Cultura, foi preso, torturado e morto nas dependências do DOI-Codi, o mais temido órgão da repressão política, em outubro de 1975. Sua morte -que o 2º Exército tentou canhestramente apresentar como suicídio- chocou a nação, acentuou as fissuras internas do regime militar e impulsionou o movimento pela democratização do país.
Como todo mundo sabe, eu escrevi? Não é bem assim. Logo no início do documentário, João Batista de Andrade entrevista transeuntes na praça da Sé, perguntando-lhes o que sabem sobre Herzog. A maioria não sabe nada. Um homem de seus 50 anos diz, absurdamente, que a ditadura não é do seu tempo, mas que, na sua opinião, "deveria voltar".
Essa frase, registrada de passagem no burburinho da metrópole, seria suficiente para justificar a realização de "Vlado".
Depois desse prólogo mais "pessoal", o documentário segue uma estrutura bastante convencional: letreiros e narração em "off" costuram uma colagem de depoimentos de ex-companheiros do retratado, entremeados de poucas imagens de arquivo.
As mais contundentes são do culto ecumênico celebrado em 1975 na Sé, pelo arcebispo dom Paulo Evaristo Arns e pelo rabino Henry Sobel, entre outros líderes religiosos.
O painel assim formado reconstitui de modo bastante vivo tanto o drama pessoal de Herzog como o tenso contexto político da época. No entanto, algumas lacunas persistem, talvez pelo pudor do cineasta em escavar fundo em certas feridas.
Exemplo: não fica clara a verdadeira relação de Herzog com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Os depoimentos de alguns entrevistados (como Paulo Markun e Rodolfo Konder), presos no mesmo DOI-Codi, sugerem que ele era militante do "Partidão", devastado na época pelos órgãos de repressão, apesar de não adotar a luta armada. Mas a viúva Clarice Herzog dá a entender que não. Ser ou não do partido não muda em nada a barbárie do assassinato, mas o espectador tem direito à informação inteira.
Uma vereda que poderia ser mais bem explorada é a investigação que o próprio Batista realiza nos arquivos policiais, em busca das fichas referentes a Herzog. Outra coisa: onde anda, se é que ainda vive, o jornalista Claudio Marques, que em sua coluna no "Shopping News" atiçou os militares contra o suposto "antro comunista" da TV Cultura?
Mesmo sem responder a essas questões, "Vlado" é um filme pungente e necessário.


Vlado - 30 Anos Depois
   
Direção: João Batista de Andrade
Produção: Brasil, 2005
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco


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