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Crítica/história
Livros revelam aspectos pouco conhecidos da escravidão
ESPECIAL PARA A FOLHA
A história da escravidão
registra vários casos de
captura de navios negreiros pela Marinha britânica,
mas dá pouca atenção ao que
acontecia depois que a nova tripulação dominava o tumbeiro.
Essa lacuna é agora preenchida
com a publicação de "Cinqüenta Dias a Bordo de um Navio
Negreiro", de Pascoe Grenfell
Hill, dentro da coleção "Baú de
Histórias", da editora José
Olympio.
Hill (1804-1882) é o reverendo inglês que se encontrava na
embarcação britânica que, na
véspera da Semana Santa de
1843, interceptou o "Progresso", navio negreiro brasileiro
que se dirigia ao Rio de Janeiro
com 447 escravos (entre os
quais 45 mulheres e 213 crianças). Seu relato é sobre o que
ocorre depois que o navio muda
a rota e veleja até a Cidade do
Cabo, na África do Sul, onde os
sobreviventes são finalmente
libertados (ainda que para viver
em semi-escravidão).
A explosão de alegria -em
que uma estridente zoeira se
misturou ao som dos grilhões
arrebentando- durou apenas
um dia. Uma tempestade fez
com que a tripulação evacuasse
o tombadilho e trancasse os negros no minúsculo porão. O resultado foram "54 corpos esmagados e lacerados". Ao fim
dos 50 dias de viagem, 177 negros haviam morrido.
Os ingleses passaram de heróis a vilões. É o próprio Hill
quem conclui que a captura de
um navio é mais desastrosa para o escravo do que para o traficante. O autor supõe que, para
os escravos, a calamidade nas
mãos de seus compradores teria sido menor do que foi sob a
proteção de seus libertadores,
que involuntariamente agravaram suas misérias. Afinal, os
traficantes são mais qualificados para a tarefa e "têm o maior
interesse que homens possam
ter na preservação de uma carga extremamente valiosa".
Não é objetivo do autor analisar o tráfico. É preciso, portanto, ler seu testemunho sem perder de vista o papel que a Inglaterra (movida por interesses
econômicos, certamente) teve
para a proibição do tráfico, sete
anos mais tarde.
Muçulmanos
Complementar ao livro de
Hill é "Entrevistas com Escravos Africanos na Bahia Oitocentista", de Francis de Castelnau (1812-1880), cônsul francês
no Brasil em 1848. O trabalho
etnográfico de Castelnau permite que se conheçam de perto
negros que, ao contrário dos
que estavam a bordo do "Progresso", cruzaram o Atlântico.
Embora o livro seja um documento sem apelo ao leigo, os
perfis são interessantes por enfocar negros muçulmanos que,
alfabetizados em árabe, pertenciam ao grupo que, em 1835,
protagonizara o levante dos
malês, o movimento étnico-classista que colocou em xeque
a escravidão baiana em nome
do islamismo.
(OP)
CINQÜENTA DIAS A BORDO DE UM NAVIO NEGREIRO
Autor: Pascoe Grenfell Hill
Tradução: Marisa Murray
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 23 (124 págs.)
ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS NA BAHIA OITOCENTISTA
Autor: Francis de Castelnau
Tradução: Marisa Murray
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 19 (84 págs.)
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