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Livros
Crítica/romance
Novo livro de Paulo Coelho naufraga em enredo desconexo
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Não se pode negar que,
em termos literários,
este é um dos romances mais ambiciosos do escritor
Paulo Coelho. Confrontada
com os recursos mínimos de
suas narrativas anteriores, esta
história de uma líder de seita,
contada pela perspectiva de
uma dúzia de personagens, parece suntuosa.
Coelho já se aventurou em
descrever a história de um personagem pelo enfoque de outro, mas nunca lançou mão de
tantos pontos de vista. O recurso não é novo. Remonta aos romances epistolares do século
18. Mais recentemente, o japonês Ryunossuke Akytagawa
(1829-1927) articulou, no conto
"Dentro do Bosque", uma trama de assassinato descrita por
meio de sete relatos.
A técnica serve para quebrar
a expectativa de uma narração
que parecia apontar para determinado caminho. Também pode sugerir que a apreensão da
realidade é algo mais complexo
do que insinua o relato tradicional. No conto de Akytagawa,
a trama se rearranja a cada nova perspectiva. Põe-se em xeque a possibilidade de se chegar
a um quadro objetivo, único, da
realidade.
Nada disso, porém, ocorre no
livro de Coelho. Os pontos de
vista como que se apóiam para
contar uma história unívoca,
descomplicada como uma cartilha infantil. Uma jovem de
origem cigana, adotada por um
casal de libaneses, entra em
contato com várias doutrinas
místicas e passa a divulgar a
sua. Em Londres, ela se casa, dá
à luz um filho, separa-se e muda-se para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde atua
como corretora de imóveis.
Sua inquietação existencial e
religiosa a impele a procurar a
mãe na Romênia e a buscar a
assistência de uma guru, na Escócia. Com o aperfeiçoamento
de suas habilidades espirituais,
acaba arrebanhando um séqüito de devotos, que lota seus cultos realizados na Portobello
Road, famosa rua de Londres
cantada por Cat Stevens e Caetano Veloso. Anuncia-se desde
o início um fim trágico para ela.
Dentre os relatos estão o de
um jornalista apaixonado pela
heroína, o do ex-marido dela, o
da mãe adotiva, o de seus mestres e de sua discípula. O problema é que não há basicamente muita diferença entre eles. O
depoimento de cada personagem, seja de uma cigana analfabeta dos Cárpatos, seja de um
douto historiador, soa-nos
igual, com sua fé no sagrado, a
naturalidade com que abraçam
o sobrenatural e sua tendência
em ver a tal bruxa de Portobello
da mesmíssima forma.
Também se percebe a falta de
cuidado que Coelho dispensa a
seus textos. Ele já afirmou em
entrevista que escreve como
que tomado por uma força
maior, evitando quaisquer interrupções a fim de botar no
papel, num prazo curtíssimo, a
história que vinha ruminando
há mais tempo.
Além dos habituais problemas de linguagem e das bobagens ditas como verdades universais ("É claro que todas as
crianças do mundo têm visões"), frases inverossímeis
("pode ser a última chance de
conversarmos nesta encarnação"; "o Vértice está escondido
dentro de nós"), há sérias inconsistências de enredo.
Por que, nos perguntamos, a
futura sacerdotisa passa necessidade com o marido em Londres, quando os pais dela são
"bem estabelecidos" na Inglaterra? Além do mais, ela não
poderia ter a idade que o autor
lhe atribui caso tivesse presenciado aos 12 anos, conforme ele
descreve noutro trecho, a eclosão da guerra civil no Líbano.
Em outro momento, sua mãe
de sangue lhe pede para levar
uma saia a um centro de devoção na França. Adiante, a filha
comenta que o objeto a ser entregue seria um manto.
Mitologia falha
Há falhas também no terreno
que Coelho supostamente devia dominar: a mitologia e o
misticismo. A bruxa afirma que
da deusa grega Gaia (Terra) vieram todos os deuses, "inclusive
o nosso caro Dionísio". Não é
bem assim. Gaia deu à luz Réia
e Cronos, estes sim pais dos
deuses, como Zeus e Hera. Dionísio, na verdade, é filho de
Zeus com a mortal Sêmele.
Pior, no livro é dito que os deuses "iriam povoar os Campos
Elísios da Grécia". Ora, o Elísio
é uma região deleitosa do Inferno (após a morte, todos iam para lá; "inferno" simplesmente
quer dizer "mundo subterrâneo"), para onde se enviavam
as almas dos heróis e dos virtuosos. A maioria dos deuses vivia no Olimpo. Um pouco mais
de pesquisa e de crivo reflexivo
faria bem a qualquer romance.
A BRUXA DE PORTOBELLO
Autor: Paulo Coelho
Editora: Planeta
Quanto: R$ 19,90 (296 págs.)
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