São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Entrevista Aguinaldo Silva

Brasil de cara feia

Aguinaldo Silva , autor de "Duas Caras" , que estréia amanhã, diz ter se inspirado em José Dirceu ("tenho medo dele') para criar seu vilão

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O autor em seu apartamento no centro do Rio


LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Uma gambá invadiu o jardim de Aguinaldo Silva, num luxuoso condomínio da Barra (Rio). Cavou um buraco e lá teve filhotes. A família vivia feliz, até que o jardineiro dasavisado enterrou o lar, e a matriarca morreu. Dois gambazinhos conseguiram sair, mas um se afogou na piscina. O que se salvou foi adotado pelo novelista, que tenta mantê-lo vivo com mamadeiras. "É uma gracinha, quando mama segura a minha mão", conta o autor, que detém o recorde de audiência das novelas, com "Senhora do Destino". Ele batizou o "filho" de "Duas Caras", nome de sua nova, que estréia amanhã. "Espero que viva e faça sucesso!"
Esse Silva pai do pobre gambá é sua "cara do bem". Mas ele quer mostrar a outra. "Tenho 64 anos, não preciso mais viver de aparências, fazer média. Não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto". Dito e feito. Na entrevista à Folha, apesar da vigilância de uma assessora da Globo que anotava cada palavra, ele mandou ver. Criticou até novelas da emissora ("assoladas pelo maniqueísmo e o politicamente correto").
E detonou José Dirceu, que inspirou o protagonista de "Duas Caras". Ex-ministro de Lula e deputado cassado pelo mensalão, Dirceu, no passado, fez plástica em Cuba para mudar de rosto e, de volta ao Brasil, casou-se usando falsa identidade para fugir da perseguição na ditadura. Com a anistia, revelou-se à mulher, com quem tivera um filho, e se separou. "Quem faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele." A seguir, trechos do papo com Silva, que se vangloria de só ter no currículo novelas das oito, nenhuma das seis ou sete, e que fará a primeira com imagem de alta definição da Globo.  

FOLHA - Por que "Duas Caras"?
AGUINALDO SILVA
- A novela nasceu da obsessão que as pessoas têm de mudar, não só porque querem, mas porque há muitas alternativas, silicone, botox, plásticas, escova progressiva. Todo mundo quer ser Nicole Kidman, Juliana Paes. Essa obsessão tem a ver com insatisfação. Nesse mundo enlouquecido, está todo mundo insatisfeito sem saber por quê. As mudanças não alteram a insatisfação, mas pelo menos iludem.

FOLHA - O sr. já mudou seu corpo?
SILVA
- Nunca. Sou um privilegiado porque há 25 anos tenho o mesmo peso [84 quilos] e dizem que a mesma cara, mas nisso não acredito muito [risos]. Até o cabelo parei de pintar. Aos 64 anos está na hora de deixar o cabelo normal, até porque pintar dá muito trabalho.

FOLHA - Por que chegou a hora?
SILVA
- A gente vive muito com a questão da boa educação, de aparências, nunca fala o que pensa para não ofender os outros, sempre procura usar de todo o tato possível. Mas a partir de uma certa idade você está liberado para falar o que quiser, fazer o que quiser e assumir a sua aparência física real. Estou mudando ao contrário. Quando fiz 64, decidi ser exatamente como sou. Falo o que tenho que falar, as pessoas ficam ofendidas porque sou sincero, direto e nunca escondo o que eu penso.

FOLHA - Por que aos 64 anos?
SILVA
- Quando você se torna um ancião, adquire direitos, não só se aposenta. É preciso encarar os fatos: 64 é uma idade bastante madura. Tive a noção de que a partir de agora não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto. Passei a vida inteira tendo cuidado com o que falava, apesar de ter opiniões fortes sobre as coisas. Pensei: "Chega, os anos que me restam vou dedicar a isso". As pessoas idosas são deliciosamente verdadeiras. É uma segurança que só a idade dá.

FOLHA - A história do protagonista de "Duas Caras", que se casa por interesse, foge com o dinheiro da mulher e faz plástica para mudar de vida, é inspirada na de José Dirceu?
SILVA
- Não posso negar que ele tenha me inspirado, assim como outros, como o ex-chefe de censura militar Romero Lago. Abadía [traficante que fez plásticas para fugir da polícia] veio depois, mas tem muito a ver também. E a história do Zé Dirceu sempre digo que é uma lenda urbana, como a dos jacarés que vivem no esgoto, e essa comparação é bem interessante... O fato é que essa história -casamento, vida dupla, abandono da segunda vida para voltar à política- já ouvi centenas de vezes, mas toda vez ela me faz muito mal, porque sinto uma crueldade muito grande. Uma pessoa que faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele. Confesso que quando ele era chefe da Casa Civil, sempre pensava nisso. Tenho horror.

FOLHA - Regina Duarte tinha medo de Lula, e o sr. tem de José Dirceu...
SILVA
- Pois é, mas eu acho que o Zé Dirceu era o rosto que o Lula não queria mostrar.


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