|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Peça do desenhista e tradutor, que usa humor para refletir, é lida hoje na Folha no ciclo de "Leituras de Teatro"
Millôr desmonta indivíduo e instituições em "Kaos"
VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em 29 quadros com personagens e situações de humor e reflexão que navalham à Millôr Fernandes ("É", "Os Órfãos de Jânio"), a peça inédita "Kaos" é destaque hoje no ciclo "Leituras de
Teatro" da Folha.
Família, igreja, política, psicanálise, enfim, sobra para todos
nos diálogos curtos e emblemáticos sobre a vida contemporânea.
A leitura de "Kaos", promoção
da Folha e da Cia. Jaboticaba de
Cinema e Teatro, é dirigida por
Georgette Fadel. Participam os
atores Edgar Castro, Kleber Vallim e Claudia Schapira. O DJ Eugênio Lima faz a discotecagem.
O evento acontece às 20h, no
auditório da Folha (al. Barão de
Limeira, 425). A entrada é franca.
Os interessados devem fazer reservas pelo telefone 0/xx/ 11/3224-3473, das 9h às 12h e das 14h às
17h. A seguir, trechos da entrevista de Millôr, 77, por e-mail.
Folha - Colocar o cardeal no divã
do psicanalista é heresia ou sublimação da sua fé no ser humano?
Millôr Fernandes - Heresia nem
passa pela minha cabeça. Heresia
é coisa de quem acredita em cardeal e psicanalista. Acho que ambos, mais ou menos presos a um
artificialismo intelectual -um
"religioso", outro "científico"-,
não têm nada a ver com seres humanos que vivem seu ato existencial. O ser humano, como diria
um policial, "é limpo".
Folha - Quando escreveu a peça?
Já eram quadros esparsos?
Millôr - Escrevi. Sentei e escrevi,
originalmente para Tony Ramos e
Otávio Augusto, um bom ator e
um ator extraordinário, você faz a
hierarquia que quiser. Me pediram. Escrevi com uma condição:
"Não vou fazer nada para servir a
tipos que vocês já fazem. Se vocês
não quiserem levar [montar", não
precisam me dar explicação". Eles
não quiseram levar. E não deram
explicação, como combinado.
Folha - A estrutura fragmentada
e a superposição de tempo, espaço
e personagens, que obrigam o espectador a compreender "para
trás", podem ser entendidos como
recursos experimentais?
Millôr - Vou fazendo de modo
visceral. Não acredito em nada
experimental. Quem trabalha todo dia e leva algum jeito para a
coisa começa por ser "experimental", pois, se se cansar antes do
"cliente" (que vocês chamam de
"leitor" e "espectador"), ele vai
embora. E também se acaba "revolucionário", mas isso não se
percebe. Eu percevejo.
Folha - Quem o sr. convidaria para dirigir o seu melhor texto?
Millôr - Um diretor burro. Eu,
como Nelson Rodrigues, adoraria
ser dirigido por um diretor burro.
Melhor, por um diretor morto.
Folha - Qual a saída para o tal
"kaos"?
Millôr - Nascer biologicamente
bem dotado. Ter as circunstâncias
pessoais a seu favor -tal como
gozar de plena saúde, ter amigos,
amigas, ser um gozador nato, ganhar o bastante para não olhar a
conta do restaurante e não ter que
pensar em dinheiro- e não querer resolver o problema do mundo. Resolva um pouco dando
uma gaita para o seu porteiro de
vez em quando (pelo menos 50
pratas, não me venha com dez
reais) e, ao sair do restaurante, ter
vergonha na cara e dar uma nota
maior para o pobre diabo ("estacionador") que ficou esperando
na porta a noite inteira -50 reais
enquanto não houver nota maior.
E a socialização estará feita!
Texto Anterior: Lucélia Santos mostra o luto do Timor Leste Próximo Texto: Novo MJ é bom, mas não é novo Índice
|