São Paulo, terça-feira, 30 de outubro de 2001

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TEATRO

Peça do desenhista e tradutor, que usa humor para refletir, é lida hoje na Folha no ciclo de "Leituras de Teatro"

Millôr desmonta indivíduo e instituições em "Kaos"

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em 29 quadros com personagens e situações de humor e reflexão que navalham à Millôr Fernandes ("É", "Os Órfãos de Jânio"), a peça inédita "Kaos" é destaque hoje no ciclo "Leituras de Teatro" da Folha.
Família, igreja, política, psicanálise, enfim, sobra para todos nos diálogos curtos e emblemáticos sobre a vida contemporânea.
A leitura de "Kaos", promoção da Folha e da Cia. Jaboticaba de Cinema e Teatro, é dirigida por Georgette Fadel. Participam os atores Edgar Castro, Kleber Vallim e Claudia Schapira. O DJ Eugênio Lima faz a discotecagem.
O evento acontece às 20h, no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425). A entrada é franca. Os interessados devem fazer reservas pelo telefone 0/xx/ 11/3224-3473, das 9h às 12h e das 14h às 17h. A seguir, trechos da entrevista de Millôr, 77, por e-mail.

Folha - Colocar o cardeal no divã do psicanalista é heresia ou sublimação da sua fé no ser humano?
Millôr Fernandes -
Heresia nem passa pela minha cabeça. Heresia é coisa de quem acredita em cardeal e psicanalista. Acho que ambos, mais ou menos presos a um artificialismo intelectual -um "religioso", outro "científico"-, não têm nada a ver com seres humanos que vivem seu ato existencial. O ser humano, como diria um policial, "é limpo".

Folha - Quando escreveu a peça? Já eram quadros esparsos?
Millôr -
Escrevi. Sentei e escrevi, originalmente para Tony Ramos e Otávio Augusto, um bom ator e um ator extraordinário, você faz a hierarquia que quiser. Me pediram. Escrevi com uma condição: "Não vou fazer nada para servir a tipos que vocês já fazem. Se vocês não quiserem levar [montar", não precisam me dar explicação". Eles não quiseram levar. E não deram explicação, como combinado.

Folha - A estrutura fragmentada e a superposição de tempo, espaço e personagens, que obrigam o espectador a compreender "para trás", podem ser entendidos como recursos experimentais?
Millôr -
Vou fazendo de modo visceral. Não acredito em nada experimental. Quem trabalha todo dia e leva algum jeito para a coisa começa por ser "experimental", pois, se se cansar antes do "cliente" (que vocês chamam de "leitor" e "espectador"), ele vai embora. E também se acaba "revolucionário", mas isso não se percebe. Eu percevejo.

Folha - Quem o sr. convidaria para dirigir o seu melhor texto?
Millôr -
Um diretor burro. Eu, como Nelson Rodrigues, adoraria ser dirigido por um diretor burro. Melhor, por um diretor morto.

Folha - Qual a saída para o tal "kaos"?
Millôr -
Nascer biologicamente bem dotado. Ter as circunstâncias pessoais a seu favor -tal como gozar de plena saúde, ter amigos, amigas, ser um gozador nato, ganhar o bastante para não olhar a conta do restaurante e não ter que pensar em dinheiro- e não querer resolver o problema do mundo. Resolva um pouco dando uma gaita para o seu porteiro de vez em quando (pelo menos 50 pratas, não me venha com dez reais) e, ao sair do restaurante, ter vergonha na cara e dar uma nota maior para o pobre diabo ("estacionador") que ficou esperando na porta a noite inteira -50 reais enquanto não houver nota maior. E a socialização estará feita!



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